A HISTÓRIA ORAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA
ABORDAGEM DAS MIGRAÇÕES EM RORAIMA
Rutemara Florêncio
Introdução
Este trabalho
apresenta as atividades desenvolvidas na disciplina de História em uma escola
pública da cidade de Boa Vista, Roraima no primeiro semestre de 2015 com alunos
do Ensino Médio (1º ano). Amparado na temática "História de Roraima",
a proposta metodológica é História Oral utilizada para compreender o processo
de migração no estado. Tanto o conteúdo quanto a metodologia de pesquisa, já
fazem parte dessa disciplina desde 2013 devido a clientela escolar ser formada
por migrantes ou filhos de migrantes.
A primeira parte do
trabalho foi planejada a partir do ensino e aprendizagem da História de Roraima
sobre seus diversos aspectos: econômico, social, cultural e político tendo como
autores visitados Aimberê Freitas (2009), Jaci Guilherme Vieira (2003), Carla
Monteiro de Souza e Raimunda Gomes Silva (2006). Nesses autores, encontramos as
informações necessárias para organizar as aulas para o 9º ano, pois os mesmos
são pesquisadores da História roraimense e contribuem significativamente para a
construção da identidade do estado. Assim, os conteúdos sobre História de
Roraima foram discutidos no primeiro bimestre do ano letivo 2015.
Considerando que a
ocupação mais efetiva do estado de Roraima é um fenômeno recente e inserido no
contexto do que Souza e Silva (p. 17, 2006) chamam de "modernização da
Amazônia", Roraima possui, segundo o IBGE (censo de 2010), 50% dos
habitantes vindos de fora do estado e os outros 50% nascidos em Roraima, dentre
os quais estão 90% dos alunos do EM da escola. Porém, 97% desses mesmos alunos
têm suas origens relacionadas aos migrantes que ocuparam o estado a partir do
processo migratório mais intenso em meados dos anos 1970 a 1990 conforme
constatamos a partir da análise das fichas individuais dos alunos (os 3%
restantes se declaram indígenas).
O fluxo migratório
intenso tem suas motivações específicas, principalmente na necessidade política
de ocupação da região e também na busca por uma "vida melhor" como
ressaltaram alguns dos migrantes entrevistados pelos alunos do EM. No entanto,
para que o projeto fosse levado a cabo, instituímos uma categorização de
motivos, segundo os quais os entrevistados deveriam se encaixar para poderem
participar do projeto. A categorização serviu para que os alunos selecionassem
perfis específicos de migrantes objetivando delimitar os assuntos que seriam
abordados nas entrevistas o que facilitaria a construção das perguntas-chave
sem fuga do tema sendo organizadas da seguinte forma: migrantes que chegaram a
Roraima por causa do garimpo de minérios; migrantes que chegaram a Roraima por
motivo de concurso público; migrantes que chegaram a Roraima em busca de terras
para atividade agrícola e pecuária e migrantes que vieram por motivos diversos
(SOUZA & SILVA, 2005).
A procura por
migrantes inseridos nas categorias já citadas obedeceu a critérios já definidos
historiograficamente e que, se constituem como motivação para a entrada intensiva
de pessoas de diversas regiões do Brasil no solo roraimense a partir da década
de 1970. É importante ressaltar que entre a década de 1970 e 1980, segundo
Diniz e Santos (2006) a população de Roraima duplicou. Esse fenômeno de
crescimento demográfico teve como mote as migrações que continuaram
regularmente até a década de 1990.
Considerando o intenso fluxo migratório para Roraima, principalmente da região nordeste (Barros, 1994 apud Diniz; Santos, 2006), a maioria dos alunos do 1º ano EM envolvidos no projeto se constitui como filhos de migrantes e por isso, mencionaram a facilidade de entrevistar pais e outros familiares. No entanto, orientamos que focassem a busca em pessoas que não fizessem parte do círculo familiar por considerarmos que seria mais enriquecedor, do ponto de vista do aprendizado, o contato com outras histórias por eles desconhecidas. Também foram orientados a buscar migrantes que chegaram a Roraima até o ano de 2005 dando um espaço de 10 anos entre a chegada e a pesquisa, pois consideramos que esse tempo dá ao pesquisado uma experiência maior em relação a mudança que fez saindo de seu estado de origem e vindo para Roraima.
Considerando o intenso fluxo migratório para Roraima, principalmente da região nordeste (Barros, 1994 apud Diniz; Santos, 2006), a maioria dos alunos do 1º ano EM envolvidos no projeto se constitui como filhos de migrantes e por isso, mencionaram a facilidade de entrevistar pais e outros familiares. No entanto, orientamos que focassem a busca em pessoas que não fizessem parte do círculo familiar por considerarmos que seria mais enriquecedor, do ponto de vista do aprendizado, o contato com outras histórias por eles desconhecidas. Também foram orientados a buscar migrantes que chegaram a Roraima até o ano de 2005 dando um espaço de 10 anos entre a chegada e a pesquisa, pois consideramos que esse tempo dá ao pesquisado uma experiência maior em relação a mudança que fez saindo de seu estado de origem e vindo para Roraima.
Apesar dos alunos
acharem que seria mais difícil encontrar pessoas que concordassem em participar
da entrevista por não terem ligação afetiva com eles, das 20 duplas de alunos
envolvidos no projeto, cerca de 14 (catorze) duplas obtiveram êxito fora do
ambiente familiar conseguindo entrevistar pessoas não ligadas aos mesmos.
Porém, 6 (seis) duplas, não tendo encontrado pessoas fora do ambiente familiar,
fizeram a pesquisa com seus pais e parentes próximos.
As orientações sobre o
modo de construção da pesquisa foram dadas em três oficinas, já no primeiro
bimestre sendo que a primeira foi sobre a temática e importância da história
oral como forma de se conhecer a história social, a história de cada um que no
conjunto acaba se identificando com a história dos outros (THOMPSON, 1992).
Dessa forma, os alunos
do ensino médio, ao juntarem as "memórias" de cada migrante, poderiam
no conjunto observar as semelhanças e diferenças existentes entre elas além das
representações coletivas tanto sobre a mudança que essas pessoas experimentaram
quanto pelos motivos que os trouxeram a Roraima.
Posteriormente as
outras oficinas foram sobre a escolha dos pesquisados, a construção das
perguntas, a forma de posicionamento do pesquisador ante seu pesquisado, os
recursos utilizados para a pesquisa e a transcrição da entrevista. É importante
ressaltar que o recurso mais utilizado para a entrevista foi o celular com
gravador de voz e que substituiu o gravador individual.
A História Oral como metodologia de pesquisa sobre migrações
em Roraima
As fontes orais se
constituem como elementos indispensáveis na construção da narrativa histórica contemporânea
já que procuram reconstituir um tipo de "memória recente" pertencente
a entrevistados que participaram do fato ou que foram testemunhas desse fato
(ALBERTI, 1989:4). Ao serem testemunhas ou atores do fato histórico, os
entrevistados usam a oralidade como forma de expressão para contar suas
"histórias" as quais estão inseridas em um contexto social,
econômico, político e cultural. Além disso, a memória a qual recorrem é uma
memória permeada por elementos coletivos uma vez que a pessoa está inserida em
grupos sociais e com eles dialoga, interage e troca experiências.
O uso do método da
história oral permite que os indivíduos que se constituem como fontes possam
compartilhar suas vivencias e experiências através da memória e por isso,
contribuem para a construção de uma história coletiva que pertence não apenas a
ele, mas a um grupo. Dessa forma, utilizar a história oral para construir a
história dos migrantes, possibilitou aos alunos do EM entrar em contato com uma
história que também lhes é familiar, que faz parte da identidade do roraimense
o qual é fruto de um fenômeno histórico: as migrações.
A abordagem do
fenômeno migratório na história de Roraima através da metodologia da história
oral no EM (1º ano) permitiu aos alunos não apenas conhecer a narrativa dos
historiadores sobre a ocupação do estado, mas a dinâmica do próprio agente
histórico ao buscarem os entrevistados e realizarem as pesquisas. A experiência
de se sentirem, por alguns momentos, como os construtores do conhecimento
histórico (guardadas as devidas limitações da ação devido a modalidade
educacional que pertencem) promoveu uma reflexão sobre a importância da
história para o entendimento da sociedade humana onde passado e presente se
relacionam dialeticamente.
Alguns resultados da Pesquisa
Com a finalidade de
compor esse trabalho, escolhemos oito entrevistas (das 20 transcritas) feitas
pelos alunos do EM 1º ano sendo 05 mulheres e 03 homens. Antes de saírem a
campo (munidos de seus celulares com gravador) e já tendo combinado antecipadamente
com os indivíduos pesquisados o dia e a hora da entrevista, os alunos do EM
elaboraram dez perguntas-chave para fazer aos seus entrevistados as quais foram
corrigidas pela professora da disciplina de História. Orientados para que o
teor da entrevista fosse direcionado a questões relacionadas à mudança de
estado, motivação da mudança e a vida em Roraima, as perguntas que cada dupla
compôs ficaram parecidas no contexto geral, possibilitando que na análise das
falas dos entrevistados pudessem observar semelhanças entre as histórias dos
migrantes.
As 20 entrevistas
transcritas mostram que 50% dos entrevistados vieram do Maranhão comprovando
estudos já realizados por Diniz e Santos (2006) que mostram esse estado como
aquele que mais cedeu população para Roraima. Em segundo lugar, o estado do
Pará é o lugar de origem dos migrantes: 5. A região sul aparece na origem de um
entrevistado, confirmando dados da PNAD 2013 que mostra essa região como aquela
que menos cede população para outros estados. Como motivos, a questão econômica
se sobressai sobre outras em relação a 80% dos entrevistados.
Considerações Finais
Quando decidimos
trabalhar a temática migração na história de Roraima para o ensino médio e para
tanto, usar como metodologia de pesquisa a História Oral, o fizemos devido a
importância que o migrante possui para a existência desse estado. Se não fosse
pelo migrante, Roraima não teria o quantitativo populacional que tem apesar de
ser o estado com menor população do Brasil. Ao adquirir o status de
"estado" Roraima passou a ter um contingente burocrático que serviu
aos interesses de povoamento além de promover o crescimento da região.
No contexto da região
amazônica, o migrante é decisivo para a construção histórica da mesma
intensificada justamente no início do século XX. No solo roraimense a ocupação
da terra se deu tanto pela Igreja catequizadora inicialmente quanto pelo
migrante povoador de forma mais intensa no século XX. A concessão de terras
facilitou o povoamento e arregimentou pessoas, principalmente da região
nordeste do Brasil para vir povoar essas terras longínquas e inexploradas até
então. O fato de serem nordestinos os principais povoadores dos estados da
região norte se justifica pela situação econômica da região Nordeste, marcada
pela seca, pela falta de condições estruturais na economia, entre outros
fatores que forçam a migração para outras regiões do Brasil.
Ter o povoamento de
Roraima como uma necessidade é algo conhecido na história de Roraima. Lobo
D´Almada, por exemplo, foi encarregado pela Coroa Portuguesa de introduzir a
pecuária na região a fim de atrair pessoas para o local (VIEIRA, 2011:141).
Para Aimberê Freitas (2009) as fortes estiagens que assolam o agreste
nordestino foram decisivos para saída de pessoas daquela região para Roraima,
seguida pelo garimpo nos anos 1990. Atualmente temos presenciado a chegada de
agricultores do sul do Brasil motivados pela disponibilidade de grandes
extensões de terras que estão sendo ocupadas pela produção de soja em larga
escala.
Para os alunos do
ensino médio é importante observarem o processo de ocupação das terras
roraimenses e a diversidade cultural que norteia as práticas e valores da
população. Conhecendo a história local e refletindo sobre ela através da
disciplina de história, poderão exercer a cidadania, agir politicamente e
respeitar a diversidade cultural que é o âmago da sociedade roraimense.
Referências
ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.
ALMEIDA. Marcelo
Mendes; SILVA. Paulo Rogério de Freitas. A
Distribuição Espacial da População de Boa Vista: Diferenças Internas nas Quatro
Zonas Urbanas. Trabalho apresentado a 61º reunião da SBPC. Manaus, 2009
BALTAR. Paulo Eduardo
de Andrade: A Abertura da Economia e
Emprego nos anos 90.
Disponível em
DINIZ. Alexandre M A;
SANTOS. Reinaldo Onofre dos. Fluxos
Migratórios e Formação da Rede Urbana de Roraima. Disponível em
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_345.pdf acesso em 08 de setembro de 2015.
FREITAS, Aimbere. História e Geografia de Roraima. Ed.
LM, 7ª ed. 2009
MATOS. Júlia Silveira;
SENNA. Adriana Kivanski. História Oral como Fonte: Problemas e Métodos. Historia Rio Grande, 2 (1): 95-108,
2011
THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e
Terra, 1992.
VIEIRA, Jaci
Guilherme. Missionários, fazendeiros e
índios em Roraima: a disputa pela terra 1777-1980 (Tese de Doutorado em
História) UFPE, Recife, 2003.
VIEIRA, Jaci
Guilherme. Resenha de SANTOS, Odair J. História geral de Roraima. Boa Vista: Ed. UFRR, 2011. Revista,
Textos e Debates, Boa Vista, n.18, p. 139-146.
SOUZA. Carla Monteiro
de; SILVA, Raimunda Gomes da. (org.) Migrantes
e Migrações em Boa Vista: Os bairros Senador Hélio Campos, Raiar do Sol e
Cauamé. 1ª ed., Ed. UFRR, Boa Vista, 2006.
Boa tarde!
ResponderExcluirSou acadêmica de história e estou cursando a disciplina "História Oral", e me identifiquei muito com seu trabalho, tendo em vista que também terei de realizar entrevista como conclusão da disciplina.
Também fiquei admirada com a franqueza e sinceridade em expor no seu trabalho as dificuldades encontradas durante o serviço.
Parabéns pelo desempenho!
Gostaria de perguntar se após a realização das entrevistas e da transcrição vocês apresentaram os trabalhos para os entrevistados e qual foi a reação deles.
Desde já agradeço!
Elaine Cristine Luz Santos de Moura
Acadêmica de História UFMS
Oi Elaine Cristine. Agradeço suas observações a respeito do trabalho exposto. Devo admitir que ele é bem maior do que o que eu enviei ao site pois, contempla a fala dos entrevistados (que foi transcrita pelos alunos que fizeram a pesquisa). Em relação ao retorno dado aos pesquisados, fizemos (eu e os alunos) uma apresentação na escola onde os mesmos foram chamados a ver os resultados. Esse ano de 2016, vou realizar esse trabalho novamente e no final, vamos fazer um documentário com os entrevistados. Estou animada para começar as entrevistas e com a produção do documentário. Se quiser entrar em contato para maiores informações, estou a disposição. Abraços Rutemara Florencio
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