Rodrigo dos Santos

Abordagens da imigração no ensino: desconstruindo a imigração para a substituição da mão de obra escrava e apresentando a imigração do século XX e XXI

Rodrigo dos Santos
        


O presente instiga reflexões sobre a possibilidade de percepção do fenômeno migratório no ensino. Geralmente pensamos a imigração com um equívoco: não identificamos outras formas de imigração ao Brasil do que a visão cristalizada da imigração da virada do século XIX para o XX, em que ocorreu a substituição da mão de obra escrava para a imigrante. A autora Luca (2014) quando aborda sobre as possibilidades nos estudos com fontes periódicas também destaca, que em algumas vezes, a ênfase maior na imigração do século XIX para o XX, e que esquecemos as outras formas de imigração. Mesmo nessa imigração da substituição da mão de obra escrava para a imigrante outro equívoco é presente, conforme Pereira (2015) esse tipo de imigração é atrelada apenas na forma de trabalho, no emprego da mão de obra e esquecemos que no ponto de vista da elite brasileira, os imigrantes também possuíam como função o branqueamento da população. Além disso, é relevante destacar que Alvim (1998) demonstra que nesse período não foi exclusiva a imigração para as fazendas de café no interior paulista para a substituição da mão de obra, outros imigrantes foram para o sul do país conseguindo terras para cultivar seu sustento. A diferença entre esses dois grupos foi que os primeiros demoraram menos tempo para chegar ao local de destino, mas não puderam construir suas casas nas fazendas, essas em sua maioria eram senzalas adaptadas. Enquanto os imigrantes destinados ao sul do país, ficaram mais tempo esperando seu local desejado, mas conseguiram a construção de suas casas, e em sua maioria, casas com estrutura europeia.

Outra forma de imigração ao Brasil é dos denominados deslocados ou refugiados de guerra. Alguns autores preferem a denominação de refugiados, afirmando que o termo imigrante é uma forma de amenizar o que esses sujeitos sofreram no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. Esses imigrantes, segundo Peres (1997), por geralmente não serem desejáveis, receberam nomenclaturas pejorativas como: seres nefastos, neuróticos de guerra, mau ou bom elemento e alienígena. A designação alienígena também foi trabalhada por Seyferth (2008). A autora apresenta que os imigrantes mais indesejados que os outros, os alienígenas, geralmente foram os alemães e japoneses. Stein (2011) também afirma a necessidade de um apagamento da designação de alemães, especialmente nos periódicos, para uma não vinculação desses sujeitos com o nazismo. A designação alienígena para o imigrante também foi trabalhada por nós em outro momento (SANTOS; ALMEIDA, SCHÖRNER, 2014).

Diante do exposto, o professor deve desenvolver a Consciência Histórica do estudante, ou seja, A Consciência Histórica é "uma categoria geral que não apenas [apresenta] relação com o aprendizado e o ensino de história, mas cobre todas as formas de pensamento histórico" (RÜSEN, 2006, p.14). Como uma forma de desenvolver a Consciência História do estudante, o professor pode utilizar como suporte ao trabalhar com a imigração do pós-guerra as obras de Shephard (2008), Judt (2012) e outra deste autor (SANTOS, 2015) que mencionam como ocorreu o processo de deslocamento desses imigrantes. Antes do fim da guerra, a Alemanha nazista obrigou grande parte da população de terras ocupadas a virem para seu território trabalhar nas fábricas subterrâneas de armamento. Com o fim da guerra, com os territórios libertados pelos aliados, milhares de pessoas não tinham interesse em voltar para casa, pois seus países foram dominados pelos governos soviéticos. Diante dessa dificuldade, organizações internacionais auxiliaram no deslocamento desses refugiados para novas moradas, inclusive ao Brasil.

Uma proposta de abordagem da imigração neste contexto do pós-Segunda Guerra Mundial foi apresentada por nós e aplicada no Curso Pré-Vestibular UNICENTRO, numa aula ministrada pelos professores de História e Sociologia (SANTOS; LIMA, 2015). Nessa aula utilizamos como fonte histórica o periódico Folha do Oeste, produzido no Município de Guarapuava-PR no período de 1937 a 1981. Esse periódico reproduz discursos políticos sobre a recepção dos imigrantes, trazendo reportagens e matérias sobre esse fato no período de 1946 a 1960. Essas fontes do Centro de Documentação e Memória de Guarapuava - CEDOC/G, sob a guarda da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) mostram um panorama geral da imigração para o Brasil, e apresentam os imigrantes que escolheram o Município de Guarapuava. O destaque do jornal foi o grupo dos Suábios do Danúbio, estabelecidos no distrito de Entre Rios em 1951, que até os dias atuais realizam ações como forma de "preservação cultural".

Caso o professor não tenha acesso a um arquivo público, outra forma de instigar os estudantes, desenvolvendo ações com fontes históricas, e ao mesmo tempo destacar a não separação entre ensino e pesquisa, é utilizar as fontes da Hemeroteca Nacional (http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/).
A Hemeroteca, vinculada a Biblioteca Nacional, apresenta vários títulos de periódicos digitalizados de todo o Brasil. O professor também pode aproveitar as ferramentas de busca que auxiliam na consulta da temática que pretende propor.

O arquivo online Family Search (familysearch.org) igualmente pode ser utilizado para visualizar a imigração da virada do século XIX para o XX, como a de meados do século XX. Essa ferramenta disponibilizada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias apresenta mais de 4 bilhões de nomes do mundo todo, tendo como objetivo que as pessoas reencontrem seu antepassados, saibam sua origem. Com relação, especificamente sobre a imigração, essa organização digitalizou cartões de imigração do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) do período de 1900 a 1965.  Os cartões podem ser fontes para o estudo da imigração, o professor pode mostrar para os estudantes em confronto com a teoria.

A imigração do século XXI é outro filão para os professores de História e Sociologia. Quem sabe ele possa fazer um contraponto com a imigração do século XIX ou XX. Destacar que o Brasil é um dos grandes receptores de imigrantes, mesmo que a mídia apresente a imigração do Oriente Médio para a Europa como preponderante, o Brasil recebe imigrantes sírios, bolivianos, haitianos, senegalenses, e tantos outros.

Nossa intenção com esse trabalho não é desprezar a imigração do século XIX para a substituição da mão de obra escrava pela imigrante (e como vimos não apenas esse tipo de imigração ocorreu neste período), mas o objetivo é mostrar que outras formas de imigração também ocorreram e ocorrem no Brasil, sem contar ainda os reimigrantes que podem ser objetos de outros trabalhos. Com relação a aplicabilidade em sala de aula, não  conseguimos uma "receita de bolo" e nem pretendemos isso, o professor deve desenvolver a Consciência Histórica dos estudantes, principalmente a partir de reflexões críticas sobre as fontes, nesse caso, apresentamos algumas alternativas para as fontes sobre imigração.

Referências Bibliográficas

ALVIM, Zuleika. ‘Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo’. In: SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil -3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
JUDT, Tony. Pós Guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
LUCA, Tânia Regina de. ‘História dos, nos e por meio dos periódicos’. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2014.
PEREIRA, Márcio José. ‘Os imigrantes de origem alemã no Paraná: debate sobre a presença teuta no Estado’. In: PRIORI, Angelo; BERTONHA, João Fábio (org.). Imigração e Colonização. Guarapuava: Ed. da Unicentro, 2015.
PERES, Elena Pájaro. "Proverbial Hospitalidade"? A Revista de Imigração e Colonização e o discurso oficial sobre o imigrante (1945-1955). Acervo, v. 10, n. 2, p. 55-70, jul/dez 1997.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspectivas a Partir do caso Alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, 16, jul.-dez. 2006.
SANTOS, Rodrigo dos Santos. Discursos sobre imigração no jornal Folha do Oeste- Guarapuava, Paraná (1946-1960). 2015. 113f. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati. Disponível em: <http://www2.unicentro.br/ppgh/files/2015/07/Disserta_o_de_Rodrigo_dos_Santos_562a8c0985c01.pdf . Aceso em: 23 dez. 2015.
SANTOS, Rodrigo dos; LIMA, Luiz Felipe de. ‘O uso dos jornais no ensino: uma reflexão sobre imigração pautada no jornal Fola do Oeste e uma proposta de aplicação no Curso Pré-Vestibular UNICENTRO’. In: II Colóquio de Ensino de História. Anais. Guarapuava. 2015. p. 1-9.
SANTOS, Rodrigo dos; ALMEIDA, Marisangela Lins de; SCHÖRNER, Ancelmo. ‘Alienígenas do pós-guerra: percepções sobre os displaced persons entre 1945-1960’. In: V Colóquio Nacional Cultura e Poder. Anais. Campo Mourão. 2015. p. 260-280. Disponível em: <http://www.fecilcam.br/culturaepoder/wp-content/uploads/2015/09/Anais-VColoquio.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2015.
SEYFERTH, Giralda. ‘Imigrantes, estrangeiros: a trajetória de uma categoria incomoda no campo político’. In: 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro-BA. Anais da 26ª RBA. Porto Seguro-BA. 2008. p. 1-20. Disponível em:
SHEPHARD, Ben. A longa estrada para casa: restabelecendo o cotidiano na Europa devastada pela guerra. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

STEIN, Marcos Nestor. O oitavo dia: produção de Sentidos Identitários na Colônia Entre Rios - PR (segunda metade do século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011.

11 comentários:

  1. Amigo, Parabéns pelo trabalho. Realmente a questão eugenista é bastante esquecida ao falar da imigração para o Brasil. Acho que você esqueceu mais um ponto pouco citado nesta questão, que foi, principalmente no Sul do Brasil, o objetivo de ocupar território, cobiçado pelos hermanos argentinos. Essa ocupação gerou inúmeras cidades com tradições européias mantidas até hoje (como exemplo temos o chamado “Vale Europeu” em Santa Catarina, tema do Globo Repórter do dia 19/02/2016). Sobre essa questão gostaria que o amigo discorresse mais um pouco e se foi pauta de trabalho entre os alunos citados? (Aristides Leo Pardo – União da Vitória/PR - tidejor@gmail.com)

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá Aristides! Fico feliz que tenha gostado do trabalho. Concordo contigo que a questão eugenista não é muito lembrada quando se fala de imigração ao Brasil. Esse texto em específico não comenta sobre a experiência desenvolvida no Curso Pré-Vestibular UNICENTRO, a pesquisa foi publicada nos Anais do Colóquio de História (http://anais.unicentro.br/ensinohistoria/pdf/iiv2n1/6.pdf), quem sabe pode interessar. Esse texto aponta para pensar a complexidade da imigração com contextos específicos, mostrando possibilidades de trabalhar em sala de aula com a fonte. As pesquisadoras Salles e Bastos (2012) (http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_migracoes_implicacoes.html) apresentam que o Brasil passou por quatro momentos distintos de imigração, o primeiro até 1906, o segundo de 1906 até a Primeira Guerra Mundial, o terceiro até o Fim do Estado Novo, e o quarto após a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais. Alguns autores também preferem atribuir a escravidão como uma migração a partir do conceito de migração forçada. Com relação a visão do "Vale Europeu" acho problemática, tendo em vista que se enfatizou a imigração como um benefício para o pais, uma visão endeusada, que a partir desses se veio o dito progresso. Essa questão eugenista, no primeiro período de imigração, pode ser tratada com base em Peres (1997). (Rodrigo dos Santos - UNICENTRO- digao_santos9@hotmail.com)

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  2. Adiciona-se a sugestão do site http://www.remessas.cepese.pt/

    Nesta site poderá efetuar uma consulta pelo nome (completo ou não) e naturalidade do(s) emigrante(s) que pretende pesquisar.

    Também indico o http://www.cepese.pt/ que tem vasto material sobre a temática.

    MARCOS ANTONIO DE CARVALHO

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    1. Olá Marcos, que legal. Não conhecia ainda essas indicações, agradeço. Acrescento também, não coloquei no texto por ser mais técnico, as listas de passageiros (de bordo) do Museu da Imigração de São Paulo (http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/passageiros.php). (Rodrigo dos Santos - UNICENTRO- digao_santos9@hotmail.com)
      e as listas de passageiros do Arquivo Nacional, ainda em organização (http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=168).

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  3. Prezado autor Rodrigo Santos,
    Desde já, parabéns pela escolha do tema de escrita. A discussão sobre o tema imigração externa, quer dizer, da entrada de pessoas de outros espaços mundiais no Brasil nos remete a uma outra discussão sobre o tema da imigração, mas, desta feita, referente a outras espacialidades, desta feita, espacialidades internas, notadamente a imigração dentro do próprio Brasil. Lembra-se dos deslocamentos humanos entre regiões, muito em função de processos de ocupação, sob a égide da colonização e desenvolvimento, como foi o caso do Brasil central e Região Norte. Assim, gostaria, caso seja possível, que comentasse sobre as possibilidades de pensar o tema da imigração entre as regiões brasileiras no ensino de História. Possivelmente ganhos apareceriam, pois em muitos casos, o passado familiar de nossos alunos é marcado por deslocamentos entre regiões do mesmo país e discutir tais questões pode revelar mais uma possibilidade de trabalho da história local.
    Atenciosamente,
    Roberg Januário dos Santos

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    1. Complemento: História local e Regional.

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    2. Olá! Obrigado pelas felicitação. Roberg com relação a migração interna, não foi muito o meu foco, na minha dissertação me ocupei mais com a imigração (internacional) (http://www2.unicentro.br/ppgh/files/2015/07/Disserta_o_de_Rodrigo_dos_Santos_562a8c0985c01.pdf ). Mesmo assim, encontrei alguns periódicos (jornais) no acervo da Hemeroteca Nacional sobre o deslocamento, especialmente de nordestinos para São Paulo. Quem sabe, na sala de aula, seria importante fazer parceria com a Geografia. Algumas leituras da área de Geografia sobre migração que acredito ser úteis são da Prof. Karla Brumes (http://www2.fct.unesp.br/pos/geo/dis_teses/10/karla_brumes.pdf) e na área de história o livro Paranaenses em Movimento do Prof. Ancelmo Schörner (http://www.csem.org.br/remhu/index.php/remhu/article/download/225/208). Acredito que também seja relevante, não pensar a migração, mesmo que interna, não apenas pelo viés econômico, mas também cultural e social; não necessariamente as pessoas se deslocam buscando apenas melhores condições econômicas. (Rodrigo dos Santos - UNICENTRO- digao_santos9@hotmail.com)

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  4. Caro Rodrigo,

    Parabéns pela proposta e pela temática escolhida. Como você bem sabe, o ensino é um lugar privilegiado, para o professor e, para a escola em geral, colaborar com a desconstrução de preconceitos que se desenvolveram na sociedade ao longo dos anos. E, quando falamos em imigração, outro ponto interessante, é o contato e as relações que se estabelecem entre as diferentes sociedades.Queria que falasse mais sobre: como o professor, ao trabalhar o tema imigração, pode contribuir para a desconstrução de preconceitos e da xenofobia que se manifestam claramente nesses fenômenos migratórios.

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  5. Caro Rodrigo,

    Parabéns pela proposta e pela temática escolhida. Como você bem sabe, o ensino é um lugar privilegiado, para o professor e, para a escola em geral, colaborar com a desconstrução de preconceitos que se desenvolveram na sociedade ao longo dos anos. E, quando falamos em imigração, outro ponto interessante, é o contato e as relações que se estabelecem entre as diferentes sociedades.Queria que falasse mais sobre: como o professor, ao trabalhar o tema imigração, pode contribuir para a desconstrução de preconceitos e da xenofobia que se manifestam claramente nesses fenômenos migratórios (Denis Fiuza- UNICENTRO- denis-fiuza@hotmail.com)

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    1. Olá Denis! Obrigado pelas felicitações. Acredito que é muito relevante desconstruir qualquer preconceito em sala de aula, o professor tem papel fundamental nesse processo. Quando se comenta em preconceito um texto que gosto muito foi apresentado no Colóquio de Ensino de História do ano passado (http://anais.unicentro.br/ensinohistoria/pdf/iiv2n1/4.pdf). Com relação especificamente com a questão dos imigrantes, acredito que o professor deve demonstrar que o Brasil é um país continental e, por isso, constituído por várias etnias, sendo isso sua grande riqueza: a multiculturalidade. (Rodrigo dos Santos - UNICENTRO- digao_santos9@hotmail.com)

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