Maria Pastore

CONSTRUIR O OLHAR CARTOGRÁFICO EM SALA DE AULA: NOVAS CONCEPÇÔES AO MAPA NO ENSINO DE HISTÓRIA

Maria Cristina Pastore



Cartografia: conjunto de saberes como tema gerador para o ensino de história

Pensar o espaço urbano, a cidade e suas configurações sociais e culturais como temas e recursos pedagógicos, permite um movimento repleto de significados. Movimentos que expõe a interdisciplinaridade e busca contemplar os anseios da educação na expectativa da criação de novas metodologias aplicadas ao ensino de Historia.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) solicita incluir temas transversais e regionais voltados para a formação do cidadão. Conforme registrado no PCN História, espera-se que os alunos possam ampliar a compreensão da realidade, e para tal os alunos deverão ser capazes de:

Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;
Utilizar as diferentes linguagens, verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação. (PCN 1998 História, p. 07)

Refletir sobre um discurso de transformação e mudanças na educação e no ensino em História, sair do mediano e alçar novidades metodológicas, considera vivenciar, experimentar, redescobrir e ousar nas atividades em sala de aula. Encontrar eixo temático ou um tema gerador de diálogos nas diversas áreas do conhecimento tem se apresentado como um desafio interdisciplinar. Conforme Bittencourt:

Os eixos temáticos ou temas geradores são indicadores de uma série de temas selecionados de acordo com problemáticas gerais cujos princípios, estabelecidos e limitados pelo publico escolar ao qual se destina o conteúdo, são norteados por pressupostos pedagógicos, tais como faixa etária, nível escolar, tempo pedagógico destinado à disciplina, entre outros aspectos.  (BITTENCOURT, 2004, p126)

Em um mundo no qual as inovações tecnológicas de comunicação eletrônicas e digitais de localização como o GPS (Sistema de Posicionamento Global) fazem parte do cotidiano, pensar no uso de mapas em sala de aula assemelham-se as didáticas passadas. Contudo, ao iniciar uma aula de História com a imagem do primeiro mapa conhecido no mundo (Fig. 01), os olhares curiosos e perguntas sobre o assunto revelam uma face envolvente no uso desta ferramenta.

Podemos conceituar mapa como representação gráfica do social e cultural de povos, evento, época e espacialidade, porem percebe-se que essa definição vai além de um conceito fechado, trata-se de uma compreensão do mundo gráfico histórico e cultural. Tema gerador e atuante no campo do conhecimento interdisciplinar que auxilia a História, a Geografia, a Ciência, a Antropologia, a Arqueologia, a Arte, etc., o mapa instiga pesquisa, altera percepções e o imaginário. Provocante e captador de atenção, o mapa possui a impressionante relação de construção de conhecimento revelado através de símbolos, legendas e cores.  Uma ponte entre arte, ciência e historia.

A história da cartografia conforme DUARTE se apresenta anterior à escrita:

Há muitos registros que comprovam que os mais variados povos nos legaram mapas, tais como babilônicos, egípcios, maias, esquimós, astecas, chineses além de outros, cada qual refletindo aspectos culturais próprios de sua sociedade. DUARTE, 2002 p 20

Os registros, as técnicas e as transformações mundiais que graficamente encontramos nos variados mapas, direcionam ao principio da cartografia, a comunicação e análise. A comunicação do grafismo do mapa pode se apresentar nas cores, nos desenhos, no suporte no qual está impresso, na leitura dos símbolos, na compreensão espacial, promovendo possibilidades de análise e compreensão de fatos. Surpreendente enigma interpretado pela tecnologia e conhecimento humano, requer certas habilidades para decifra-los. Registros pictográficos surgem nas paredes das cavernas e abrigos em diversas regiões do mundo, reiterando a cartografia como interdisciplinar e fonte histórica.


Fig.: 01  Ga-Sur 2300 a. C. Foto Google domínio publico
Fig. 02  Foto Google Domínio Público

A figura 01 mostra o mapa da Ga Sur na Suméria 2,500 AC, criado por babilônicos, esculpido em um tablete de argila cozida, estimulam nossa imaginação. Na figura 02, podemos observar o mapa da cidade de Çatal Huyuk cidade da antiga Anatólia, hoje Turquia, pintado nas paredes da caverna considerado o mapa mais antigo. Também apresenta a decoração de interiores em Catal Huyuk 8.000 anos a 5.000 anos antes da ascensão de cidades-estados da Grécia. As paredes foram pintadas com imagens de deusas e caçadores. Estas imagens foram fornecidas visualmente em sala de aula na tentativa de estimular o imaginário do aluno e chamar a atenção, o que causou o efeito desejado.

A questão do reconhecimento do mapa como fonte, sugere uma releitura na história, o compartilhamento de imagem e texto como estratégias de rever o conteúdo explícito e implícito nos gráficos. Sua comunicabilidade de aspectos não revelados ou descobertos remete a um novo entendimento de mapas como fonte para pesquisas e estudos. Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia, superar a critica e desenvolver uma linha de raciocínio logico abrangente, buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como fonte histórica e de ensino, desta forma, é a prospecção levantada pelos mapas.

Aplicabilidade da experiência em sala de aula

Nos dias atuais, novos conceitos encontram-se incorporados as concepções de mapa. Conforme MENEZES, (2009, p. 250) “O ato de informar, esclarecer e traduzir significados de fenômenos não é recente, ocorrendo desde os primeiros registros do homem, para representação de seus pensamentos.” Nesse sentido procurar usar o mapa como instrumento de produção de conhecimento, adentrando na comunicabilidade que o mapa apresenta, sustenta relação entre imagem e problematiza o indicativo de pertencimento como um dos objetivos do trabalho. Busca nas origens dos registros imagéticos um olhar contemporâneo de representatividade simbólica dos códigos apresentados no mapa. Em uma interpretação mais contemporânea o mapa é a narrativa poética da história, uma historia de símbolos e identidade, cultura e tradições, vivenciadas por desenhistas, estrategistas de guerra, ou apenas por sujeitos históricos preocupados em demarcar um território.

Na intenção de proporcionar um olhar interdisciplinar na cartografia como metodologia além de incentivar o aluno a criatividade e ao registro do pertencimento patrimonial e afetivo, a pesquisa considera o mapa como suporte de investigação para o ensino de História.

Etapas da proposta

Em um primeiro momento disponibiliza-se aos alunos o texto: “O que é um mapa? O que representa os gráficos e cores? O que são legendas?” Produzido com palavras simples e de fácil entendimento, apresentado de forma sucinta, continha em seu conteúdo as imagens (Fig. 1). Logo após, apresenta-se um mapa do continente Africano, muito colorido e com representação da agricultura, indústria e pecuária. A proposta é aplicada na turma de 6º ano, com 26 alunos e 7º ano com 24 alunos em uma escola no Rio Grande, RS.

No segundo momento, trata-se do inicio da preparação emocional. Para tal, uma musica ambiental de relaxamento é ouvida, solicita-se que fiquem de olhos fechados. Solicita ao aluno que percorra o caminho, mentalmente, da casa até a escola. Este exercício favorece a memória e os processos cognitivos, preparando-os para a fase seguinte. Esse procedimento depende da maturidade da turma, sugere-se uma musica de no máximo dois minutos, pois os mais inquietos começam a rir e brincar.

No terceiro momento, distribuem-se folhas de oficio, e solicita-se o desenho de um mapa, deve conter o percurso realizado pelo aluno da casa até a escola. Todo o material é considerado fonte de informação.  Permite a relação com outros processos, pensar as mudanças da paisagem ao longo dos anos, na tentativa de compreender a História de forma prazerosa e artística.

No ensino médio o procedimento inclui a quarta fase, no qual o aluno é incentivado a encontrar nesse caminho, escultura, prédio histórico ou monumentos e realizar a pesquisa sobre o que encontrou perto de sua casa ou da escola. Sugere a ampliação do conhecimento histórico e artístico do patrimônio material.

Tecendo considerações

A pesquisa em sua concepção propõe pensar a teoria e pratica intrínsecas em um processo formativo. Desta forma, no momento, as análises preliminares dos resultados apontam para a leitura do sentimento de pertencimento, imensurável em sua forma subjetiva. No entanto, visibilizado nos símbolos e códigos fornecidos pelos desenhos dos alunos, o mapa assinala uma comunicação que pode indicar pertencimento. Analisá-los e descobri-los prosseguem como desafio. Buscaram-se nos teórico da educação e da psicologia as bases metodológicas e teóricas necessárias para realizar as análises dos desenhos relacionando-os com o estudo aqui apresentado.

Foram analisados 50 mapas com o intuito de identificar a hipótese da ideia de pertencimento e criadas categorias para essas análises.

Categorias
1. Apresentam desenhos casa, prédios, ruas e a escola.
2. A existência da expressão MINHA CASA nas legendas.
3.  O cuidado com a elaboração do conjunto casa/escola
4. A ampliação da visão panorâmica, incluindo outras referências como padaria, cinema, farmácia entre outros.
5. Segue um padrão de aproximação com a realidade.

A experiência com o desenho de mapa como fonte de identificar a materialidade de pertencimento demonstra a força que possui. Desprezá-la seria como regredir aos estágios iniciais do desenho, como uma criança que inicia os rabiscos. Sujeitar o sentimento de pertencimento ao destino da subjetividade ou declará-lo imensurável, é combater as possibilidades de investigação. Os resultados aqui exibidos são meramente orientadores, e preliminares, uma vez que para apresentar os resultados finais serão necessárias as apreciações de outras experiências com turmas diferenciadas para finalmente cruzar dados, ampliando a compreensão do processo.


Fig. 03 Mapas criados pelos alunos (foto da autora)

A questão do reconhecimento do mapa como fonte (fig. 03), sugere uma releitura na forma de ensinar história usando esse recurso. O compartilhamento de imagem e texto como estratégias de rever o conteúdo explícito e implícito nos gráficos e sua comunicabilidade de aspectos não revelados ou descobertos remetem a um novo entendimento de mapas como fonte para pesquisas e estudos. Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia, superar a critica e desenvolver uma linha de raciocínio lógico e abrangente, buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como fonte histórica e de ensino é prospecção alçadas pelo uso dos mapas em sala de aula.

Como mediadores do conhecimento é responsabilidade do professor o compartilhamento desse conhecimento, independente da idade do aluno, pois colabora com  a construção do olhar no espaço urbano. Está implícito um aprendizado que revela conceitos fundamentais para a compreensão de espaço, onde o aluno esta inserido. Incentivando o aluno, em qualquer esfera educacional, perceber que as comunidades, a sociedade, se agrupavam e formavam cidades, tribos, grupos, desde o inicio da humanidade, promovendo assim um reconhecimento de lugar, de pertencimento ao espaço em torno e a inclusão. Desta forma, o professor preocupado com a formação dos alunos, em um tempo de negligencias, oportuniza momentos de reflexão sobre a história de cada um.  Identifica que a história é construída por cada sujeito, e o mapa reflete essa condição. Cada aluno perceber-se participativo de sua formação, uma concepção para a vida. Não basta ler a História, o aluno deve ser incentivado a se sentir pertencente ao meio.

Referências

ABREU, Martha Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologias 2ed. Rio de Janeiro:Casa da palavra, 2009
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo. Cortez, 2004, p.121.
BRASIL, Ministério de Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CASTELL, Cleusa Helena Guaita Peralta.  A arte do grafismo infantil e a construção simbólica. Rio Grande: FURG, 2003
DUARTE, Paulo Araújo. Fundamentos da Cartografia. Editora da UFSC Florianópolis. 2002
FONSECA, Selva Guimarães História Local e fontes orais: uma reflexão sobre saberes e praticas de ensino de História. Revista de História oral, 2014
FRANCISCHET, Mafalda Nesi, A cartografia no ensino-aprendizagem da geografia.http://www.bocc.ubi.pt/pag/francischett-mafalda-representacoes-cartograficas.pdf http://www.bocc.uff.br/_esp/autor.php?codautor=793 Acessado em 22.07.2014
GOMES, Maria do Carmo Andrade. Velhos mapas, novas leituras: Revisitando a história da cartografia GEOUSP- Espaço e Tempo. São Paulo, nº 16. 2004 pp.67-79
LUQUET, G. H. O desenho infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979.
MENEZES, Paulo Marcio Leal de. Cartografia histórica: um instrumento de analise geográfica. Questões metodológicas  e novas temáticas na pesquisa geográfica/ Ana Maria S. M. Bicalho, Paulo Cesar da Costa Gomes (org) Rio de Janeiro Publit  2009
PIAGET, Jean. O diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio. São Paulo: Scipione, 1997.
PINSKY, Carla Bassanezi. Novos temas nas aulas de história. São Paulo- Contexto, 2009
PEREIRA, Lais de Toledo Krüchen. O desenho infantil e a construção da significação: um estudo de caso.



4 comentários:

  1. Bom dia, muito interessante a colocação do uso de cartografia no ensino de história, inclusive para que os alunos consigam entender melhor a vida em um determinado tempo. Achar-se no tempo e espaço é essencial para o aluno compreender o passado e caminho percorrido ao hoje. Seria mais oportuno o ensino de história vir com mais mapas cartográficas referentes a cada época, assim o aluno veria o mundo com o olhar das pessoas que viveram naquele determinado período?
    Ione Schmidt, estudante de Licenciatura em História a distância, Furg .
    Sapiranga – RS B- Brasil

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ola Ione. Que prazer te encontrar no 2 Simpósio. O mapa, em minha opinião, é uma ferramenta importante para o ensino de História. Infelizmente pouco usado. Acredito que o conteúdo do mapa vai alem da narrativa visual de um período ou olhar de seu idealizador. É um documento, fonte, que fornece detalhes e leituras fascinantes. O aluno ao ser instigado com o mapa, seja antigo ou GPS, pode relacionar espaço tempo de forma a compreender sua presença no mundo, possibilitando a construção de um conhecimento que lhe permita sentir-se incluído.
      Abraço
      Cristina

      Excluir
  2. Márcia Lúcia da Cruz9 de março de 2016 às 17:51

    Maria Cristina,
    Quando pensamos em construir um olhar cartográfico em sala de aula: não devíamos também atribuir novas concepções ao mapa não só no ensino de história ou geografia (as que mais utilizam), bem como, explorá-lo em várias outras disciplinas que poderiam vir a contribuir com este “sentimento de pertencimento” que o aluno tanto demonstra ao elaborar seus desenhos?
    Atenciosamente,
    Márcia Lúcia da Cruz.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Márcia...obrigada pela sua pergunta. Sim com certeza. Precisamos pensar em atividades que envolvam o mapa. Nas artes, as cores e os símbolos provocam outra leitura. O que provocaria um mapa nas aulas de Português? Ou na Matemática? A noção de escala e de origem....inúmeras possibilidades. Quem sabe em um próximo Simpósio poderemos ler trabalhos com essa temática, não é mesmo?Abraço. Cristina

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.