Marlon Barcelos

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E O ENSINO DE HISTÓRIA

Marlon Barcelos Ferreira



Este trabalho tem como objetivo apresentar um diálogo entre história, arqueologia e ensino e assim discorrer sobre o uso do patrimônio arqueológico no ensino da história do Brasil. Nas últimas décadas tivemos uma valorização das fontes históricas não escritas e o alargamento do objeto do historiador como resultado das inovações dos Annales, sobre a qual plasmou-se a - ainda hoje, nova e consagrada na década de 70 - História Nova.

Assim, o professor de história para levar a cabo o seu objetivo de analisar as inúmeras facetas do passado em sala de aula, pode se utilizar atualmente de uma gama variada de fontes históricas para tal intento. Não apenas se prendendo a sala de aula ou ao uso de documentos escritos e imagens nos livros didáticos, filmes ou mapas.

Destacamos aqui o uso do Patrimônio Arqueológico como forma de apreensão do passado por parte dos alunos.  Desta forma os alunos terão uma história feita não apenas de páginas escritas e imagens, mais de objetos e construções, no qual eles podem ter acesso direto sobre vestígios materiais (objetos, ferramentas, construções, etc.) que mostram como era a vida de pessoas que viveram a dezenas, centenas e talvez milhares de anos (podendo ser uma casa antiga na rua da escola, um museu ou um sambaqui com dois mil anos). Isto poderá até causar estranheza em muitos alunos que só estão acostumados a fotos, filmes e livros didáticos. Mas, causar estranheza é um dos objetivos, pois confronta os livros e a imaginação com o mundo real, que é palpável e atiça todos os sentidos.

Busca-se nesse sentido compreender que preservar não é só guardar um objeto ou espaço, preservar é tornar vivo para as pessoas aquele passado remoto. Desta forma, a educação desempenha um papel importante de conectar o cidadão enquanto indivíduo ao seu passado e ao passado de sua cidade ou nação, no caso o passado do Brasil. Afinal, o patrimônio arqueológico não são apenas vestígios do passado, eles são parte de nossa identidade cultura e herança dos povos que aqui habitaram.

Foi na Idade Moderna com a afirmação do conceito nacionalidade e do Estado Nação que surgiu essa preocupação em inventariar e preservar seus patrimônios, seu legado material e imaterial das gerações passadas. Segundo o historiador, Haroldo Leitão Camargo (2004, p.21), os monumentos seria a materialização da identidade nacional. Em Portugal, Dom João V, ordenou a criação de um inventário a fim de determinar as construções e preservá-las, na França em 1837, os prédios históricos passaram a ser estudados e preservados pela Comissão de Monumentos Históricos (BASTOS, 2004, p.257). O patrimônio arqueológico se enquadra como parte do Patrimônio cultural de uma nação.

Da mesma forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio PCNEM (Brasil, 2000) recomendam o uso de fontes primárias e sítios arqueológicos no processo educacional e ensino de história. Da mesma forma, os sítios arqueológicos são áreas que envolvem não apenas história ou geografia, podendo fazer parte de um projeto maior da escola e assim funcionam muito bem em um projeto interdisciplinar, como salienta Figueiredo:

Acreditamos que alguns assuntos são transversais às diversas disciplinas e o debate em torno do patrimônio histórico-cultural constitui um deles. Interessa tanto aos profissionais da educação, das áreas de história, e de geografia e por que não, da literatura. A química e a biologia não podem ficar de fora. (2002, p 52)

Dentro desta perspectiva tivemos no Brasil a introdução na década de 80 da metodologia que foi denominada de educação patrimonial. Esta metodologia se coloca como uma das mais importantes ferramentas a disposição do professor para trabalhar e se utilizar do patrimônio arqueológico na sala de aula. As primeiras experiências no Brasil aconteceram na década de 80, mais precisamente em 1983, quando aconteceu o I Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, no Museu Imperial em Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro. Assim, foi ganhando força no Brasil a ideia da importância da relação das pessoas com suas heranças históricas e arqueológicas, não apenas para reforçar sua ligação com o patrimônio com intenção preservacionista, mas também para demonstrar seu papel ativo como cidadão e ser histórico.

Diante deste primeiro trabalho, surgiu o conceito e a metodologia de trabalho proposta pela Educação Patrimonial, que foi primeiramente defendido e definida no Brasil pelas pesquisadoras Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro:

Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural (material e imaterial) como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e os adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de seu passado, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. (1999, p5)

Assim, a educação patrimonial aparece como uma importante ferramenta metodológica nas mãos dos educadores não apenas na intenção de reforçar a necessidade de preservação e da importância histórica dos bens materiais e sítios arqueológicos, mas também na construção de cidadãos conscientes do seu passado e presente. Todas elas dentro desta perspectiva de olhar para o passado, mas pensando no presente, como salienta Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro:

A Educação Patrimonial é um instrumento de "alfabetização cultural" que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Esse processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural. (1999, p.6)

O Patrimônio arqueológico tem um papel destacado no processo de formação da cidadania. Afinal, do ponto de vista educacional, em uma abordagem sócio-cultural, se reconhece o conhecimento como resultado das interações do indivíduo com o meio, concedendo ao sujeito o papel central na produção do saber. Onde segundo Paulo Freire, para que o homem se constitua como sujeito, é fundamental que ele, integrado num determinado ambiente histórico, reflita sobre ele e tome consciência de sua historicidade e da realidade social no qual está inserido. Pois desta forma:

Ao apropriar-se do sentido e da peculiaridade de suas manifestações em todos os aspectos da vida diária, esses indivíduos tendem a modificar suas atitudes em relação aos bens, tangíveis e intangíveis, a recuperar os sentimentos de autoestima e de cidadania. (FREIRE, 1979, p151)

A educação patrimonial não deve ser vista como uma simples ida a um museu ou a um sítio arqueológico, na verdade o ideal é que seja parte de um projeto pedagógico maior na qual a visita ao museu ou a um sítio arqueológico (Sambaqui, forte, etc.) se insira dentro da proposta pedagógico previamente planejado, pois a preparação dos alunos é uma etapa muito importante a ser realizada em sala de aula, mas o seu significado é o de estimular e levantar hipóteses em torno do bem e não chegar imbuídos de respostas prontas.

Assim, previamente o professor deve elaborar um projeto elencando os objetivos e a maneira como aquele patrimônio vai ser trabalhado e absorvido pelos alunos. O próprio Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), órgão com competência legal para tratar do patrimônio histórico e arqueológico, tem apoiado trabalhos e incentivando o uso desta ferramenta em salsa de aula e museus por todo o Brasil.

Conhecendo o seu patrimônio arqueológico os alunos poderão reconhecer neles parte de seu passado, fazendo do patrimônio arqueológico de sua região ou país, parte de sua história também. Desta forma, a educação patrimonial se coloca como uma das mais importantes ferramentas de preservação do patrimônio cultural brasileiro e como proposta inovadora para o professor de história utilizar em sala de aula fugindo assim do binômio quadro - livro.

Referências

BASTOS, Sênia. Nosso patrimônio Cultural. Revista de Turismo Y Patrimônio Cultural.  Passos: V 2 N 2. P. 257-265, 2004
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000.
CAMARGO, Haroldo Leitão. Patrimônio Histórico e Cultural. São Paulo: Aleph, 2004
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Patrimônio Histórico e Cultural: um novo campo de ação  para os professores. In: GRUPO Gestor do Projeto de Educação Patrimonial. Reflexões e contribuições para a Educação Patrimonial. Belo horizonte: SEE/MG (Lições de Minas. 23), 2002
FREIRE, Paulo. Conscientização São Paulo: Cortez e Moraes. 1979
GRUNBERG, Evelina. Educação Patrimonial: Utilização dos Bens Culturais como  Recursos Educacionais. Rio de Janeiro, 2014 Disponível em
< http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo4/estudos_sociais/educacao_patrimonial.pdf> Acesso em 23 de Dezembro de 2014.
HORTA, M. L., GRUNBERG; E. MONTEIRO, A. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Museu Imperial - UNB, 1999.



11 comentários:

  1. Elaine Cristine Luz Santos de Moura7 de março de 2016 às 07:29

    Boa tarde, professor!
    Tudo bem?
    Estou admirada com o seu trabalho, principalmente de como a história foi feita com objetos e como podemos trabalhar de inúmeras maneiras com os objetos em sala de aula.
    Gostaria de entender melhor a questão da mediação cultural, se ela pode ser papel preponderante no combate a xenofobia conforme forem apresentados os artefatos arqueológicos.
    Espero que minha pergunta tenha sido pertinente e desde já agradeço.

    Att,

    Elaine Cristine Luz Santos de Moura
    Acadêmica de História
    UFMS

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    1. Boa Noite Elaine,

      Tudo na paz, o uso de bens culturais em sala de aula proporcionam ao professor a possibilidade não apenas de enriquecer sua aula mais também a possibilidade do aluno se dar conta da multiplicidade de referências culturais que ele está imerso. E com certeza a Educação Patrimonial acaba desempenhando um papel de combate a intolerância no sentido de aproximar o aluno (ou o público em geral) daquele bem cultural (objeto, estilo de música, etc.) a ponto de faze-lo se reconhecer. Numa sociedade como a brasileira, no qual certos bens culturais foram relegados a segundo plano (nossa herança afro, por exemplo), a educação pode permitir que reconheçamos nossa matriz africana e assim acabar com preconceitos e práticas intolerantes.
      A disposição,
      Comunicador,
      Marlon Barcelos Ferreira

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  2. Bom dia, Marlon.
    Gostaria de saber como você percebe, e propõe, a possibilidade do trabalho interdisciplinar a partir do olhar para os monumentos naturais ou culturais que compõem nosso Patrimônio?
    Como você percebe o uso de escalas de observação (local, regional, nacional e global) no uso do Patrimônio sala de aula?

    Escrevi sobre a relação ensino de historia e turismo aqui para o simpósio. Espero que possamos debater a questão do Patrimônio, tema que nos interessa.

    Att.

    José Lúcio.

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    1. Prezado José,

      Vou ler seu trabalho e tenho certeza que vai contribuir no debate sobre ensino e patrimônio.
      Os sítios arqueológicos são áreas que envolvem não apenas história ou geografia, são para uso interdisciplinar, pois podem ser abordados temas como ecologia, biologia e geologia entre outras disciplinas. Dependendo apenas do projeto e do objetivo, por exemplo você pode trabalhar em um sambaqui o modo de vida as populações, os tipos de animais e conchas, a geografia do local, etc.
      Da mesma forma, a escala de observação vai depender do seu objetivo naquele projeto. Por exemplo, você pode utilizar uma fazenda histórica de café, para pensar a expensão cafeeira e o nascimento de uma cidade ou como forma de se pensar a economia brasileira no século XIX ou pensar como aquela planta de café veio parar ali sendo ela de origem africana. A disposição,
      Comunicador,
      Marlon Barcelos Ferreira

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    2. Obrigado pela resposta.
      Aguardo seu comentário.

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  3. Boa tarde, Prezado Marlon seu texto é muito interessante, pois moro em uma cidade que tem uma história muito rica foi a última Redução Jesuítica fundada na América "San Angel Custódio" hoje Santo Ângelo-RS. Em qual faixa etária ou em que série você acha interessante apresentar este assunto Educação Patrimonial?

    Atenciosamente
    Leandro da Silva Zimmermann

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    1. Prezado Leandro,

      Com certeza morar em uma cidade com um patrimônio histórico e arqueológico preservado é de grande valia no processo de ensino de história. E acredito que não existe uma faixa etária ideal, você pode trabalhar com um amplo público mais claro respeitando as limitações proporcionadas por cada faixa etária.
      A disposição,
      Comunicador,
      Marlon Barcelos Ferreira

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  4. Boa tarde Marlon, tudo bem?
    Tua reflexão proposta é excelente, uma vez que é de fundamental importância para toda e qualquer sociedade que seu legado cultural, ou seja, seu conjunto de bens – materiais e imateriais, sejam compreendidos, respeitados e, principalmente, perpetuados para a permanência da identidade desta mesma sociedade.
    Porém, mais importante que simplesmente conservar um legado cultural, é fundamental a todos e todas que o patrimônio cultural, além de preservado, seja compreendido e tomado porbase para uma reflexão acerca do contexto no qual foi originado e as possíveis relações que este tem com as produções e relações sociais globais e locais, da atualidade.
    Neste sentido, te questiono: para você, enquanto historiador, quais são as principais dificuldades para a transposição histórica de ultra valorização dos bens materiais/edificados sobre os bens imateriais/simbólicos?
    att,
    Eduardo Alexandre Louzado

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    1. Boa tarde,
      Acredito que parte desta culpa seja também nossa enquanto historiadores. Assim entendo a necessidade de se transitar entre esses dois universos realizando o trabalho de forma que o aluno possa o compreender e apropriar-se desses elementos. Como exemplo cito um trabalho que realizei com meus alunos no qual a partir da língua identificamos elementos africanos e daí chegamos a áfrica e seus elementos materiais presentes hoje e inclusive elementos de repressão (senzalas, casa grandes, etc).
      A disposição,
      Comunicador,
      Marlon Barcelos Ferreira

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  5. Boa noite Marlon,

    Parabenizo-lhe pela forma simples e clara com que conseguiu expressar o assunto em seu texto.
    Pensar patrimônio é refletir sobre dinamicidade, permanências e rupturas, construção e, principalmente, conflitos em relação à construção de uma memória legitimadora. Desta forma, creio que o patrimônio arqueológico apresenta-nos perspectivas que abrangem nossa percepção sobre o passado e sobre nós mesmo, como pontuado.
    Pensando nesta peculiaridade do patrimônio arqueológico, de conseguir transpor intencionalidades, que nem sempre o patrimônio edificado nos possibilita, em meio a construção dos registros, como você entende a importância dos mesmos para a abordagem em sala de aula de parcelas formadoras de nossa sociedade que por muito tempo foram suplantadas da memória nacional, como a indígena e africana?

    Cordialmente,

    Flaviano Oliveira dos Santos.

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    1. Boa tarde
      Flaviana,

      Muita das vezes o patrimônio edificado é reflexo de uma estrutura de poder e do grupo dominante, assim em nossa história muita das vezes o patrimônio de grupos invisíveis de nossa sociedade acabaram relegados a segundo plano. A educação patrimonial não apenas ajuda a resgatar esse patrimônio mais também a fazer que com o público se identifique de alguma forma com ele. Assim ajudando a pensar uma sociedade plural.
      A disposição,
      Comunicador,
      Marlon Barcelos Ferreira

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