O ROCK BRASILEIRO DAS
DÉCADAS DE 1970-80 E O ENSINO DE HISTÓRIA: DISCURSOS E POSSIBILIDADES
Luis Alberto Gottwald Junior
Luis Alberto Gottwald Junior
A música encontra-se ligada ao homem de diversas formas. Em diferentes situações, a música pode ser acalentadora, agitadora ou gerar ambos os sentimentos ao mesmo tempo. Por trabalhar as diferentes sensibilidades, a música passou a ser utilizada por compositores dos mais diferentes estilos, pois tem a capacidade de falar ao ouvinte sobre determinadas ideologias, práticas, comportamentos.
Na
ditadura militar, a música foi utilizada como ferramenta legitimadora ou
contestadora. A ditadura militar foi um período da História brasileira que
compreendeu desde o ano de 1964 até 1985. No cenário musical, a censura imposta
pelo AI-5 inibe artistas de produzirem canções de protesto mais objetivas, com
mensagens diretas. Com a gradual abertura política realizada ao longo da década
de 1970, algumas letras passam a serem mais críticas.
Para Carlos Fico (2004),
Para Carlos Fico (2004),
A
censura da imprensa acompanhou o auge da repressão (quando se pensa em
cassações de mandatos parlamentares, suspensões de direitos políticos, prisões,
torturas e assassinatos políticos) que se verificou entre finais dos anos 60 e
início dos anos 70. A censura de diversões públicas, porém, teve seu auge no
final dos anos 70, já durante a "abertura". (FICO, 2004, p.32).
O
autor divide a censura em dois aspectos específicos: a censura efetuada contra
a imprensa e a censura direcionada a diversões públicas. No primeiro caso, o
período de encerramento do processo de restrição se dá no início da década de
1970. Já a censura de diversões públicas ainda se mantém por tempo maior,
devido ao controle exercido no campo social. Portanto, analisar
canções produzidas nestes dois momentos históricos dentro de sala de aula é
significativo para a produção de consciência histórica nos estudantes. Para
Abud (2005),
As letras de música se
constituem em evidências, registros de acontecimentos a serem compreendidos
pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão
cronológica, na elaboração e ressignificação de conceitos próprios da
disciplina. Permite que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado,
elaborando a compreensão histórica, que vem da forma como sabemos como é que as
pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram
em relação à determinada situação. (ABUD, 2005, p.316).
Dessa
maneira, é importante que o aluno entre em contato com estas fontes, produza
conhecimento histórico e compreenda que a música é uma das mais variadas formas
de comunicação política e social de um período em que diferentes níveis de
repressão condicionavam a diferentes tipos de obra. Portanto, analisar o
processo da ditadura militar mediante o uso de canções é uma das formas de
possibilitar aos alunos o ato de construir o conhecimento histórico.
Esta pesquisa se deu pela necessidade de se repensar diferentes fontes para trabalhar a visão de intelectuais músicos na ditadura militar. Enquanto o conteúdo do livro didático é voltado a compreender aspectos político, econômicos e sociais do período, de forma geral, a música gera interesse dos alunos para o processo histórico vivido. Além disso, ao entrar em contato com diferentes letras de música, o estudante pode conhecer artistas que se posicionaram favoráveis ou contrários ao regime militar, o que auxilia na compreensão de uma História que opera na tensão de forças diferenciadas. Quanto ao estudo da música no espaço acadêmico, Napolitano ressalta que
Esta pesquisa se deu pela necessidade de se repensar diferentes fontes para trabalhar a visão de intelectuais músicos na ditadura militar. Enquanto o conteúdo do livro didático é voltado a compreender aspectos político, econômicos e sociais do período, de forma geral, a música gera interesse dos alunos para o processo histórico vivido. Além disso, ao entrar em contato com diferentes letras de música, o estudante pode conhecer artistas que se posicionaram favoráveis ou contrários ao regime militar, o que auxilia na compreensão de uma História que opera na tensão de forças diferenciadas. Quanto ao estudo da música no espaço acadêmico, Napolitano ressalta que
os estudos de música popular
no Brasil devem realizar um trabalho urgente de ampliação do corpus documental
que vem sustentando as pesquisas. Algumas recorrências documentais revelam uma
certa dificuldade em ampliar as bases heurísticas dos estudos relativos à
música brasileira.(NAPOLITANO, 2002, p.49)
Sendo
assim, para o autor, é imprescindível que pesquisas tratem de pesquisar
temáticas ligadas à análise da música enquanto fonte, nos diversos espaços
sociais. Dentre estes espaços, a escola figura como local em que a canção pode
exercer a função de educar e transformar. Napolitano (2002, p.50) ainda
ressalta que "a música, pensada em relação à cultura, poderia ser
considerada como um veículo "universal" de comunicação, no sentido
que não se tem notícia de nenhum grupo cultural que não utilize a música como
meio de expressão e comunicação" (NAPOLITANO, 2002, p.50).
Para
este autor, a linguagem musical tem importância tão significativa dentro da
sociedade que passou a ser um veiculo universal de comunicação. Além disso,
essa diversidade cultural apresentada em diversas canções também auxilia no
entendimento da dinâmica cultural de um país. Dessa maneira, analisar letras de
música sob o viés problematizador da História é justificável.
Inicialmente, a proposta consistiu em selecionar uma turma de 2º Ano do Ensino Médio para realizar a atividade. Após aula expositiva relacionada aos aspectos mais gerais da ditadura militar, os alunos foram convidados a selecionarem letras de canções diversas, previamente selecionadas pelo professor. Os papéis em que as letras se encontram foram espalhados aleatoriamente em uma mesa.
Em seguida, o aluno fez a leitura da letra e pesquisou quem é seu cantor, compositor, produtor musical, ano de produção e posição política do cantor/compositor. Após trazer estas informações, o professor colocou trechos de cada canção colocada à escolha dos alunos e perguntou ao responsável sobre os itens pesquisados. Depois de ouvir a música, já conhecendo informações prévias a seu respeito, o aluno interpretou o que o cantor/compositor buscou retratar na canção, se sua posição era favorável ou contrária à ditadura, dentre outras particularidades. Por fim, os alunos compuseram uma letra de música de protesto, ligado à própria ditadura militar.
Inicialmente, a proposta consistiu em selecionar uma turma de 2º Ano do Ensino Médio para realizar a atividade. Após aula expositiva relacionada aos aspectos mais gerais da ditadura militar, os alunos foram convidados a selecionarem letras de canções diversas, previamente selecionadas pelo professor. Os papéis em que as letras se encontram foram espalhados aleatoriamente em uma mesa.
Em seguida, o aluno fez a leitura da letra e pesquisou quem é seu cantor, compositor, produtor musical, ano de produção e posição política do cantor/compositor. Após trazer estas informações, o professor colocou trechos de cada canção colocada à escolha dos alunos e perguntou ao responsável sobre os itens pesquisados. Depois de ouvir a música, já conhecendo informações prévias a seu respeito, o aluno interpretou o que o cantor/compositor buscou retratar na canção, se sua posição era favorável ou contrária à ditadura, dentre outras particularidades. Por fim, os alunos compuseram uma letra de música de protesto, ligado à própria ditadura militar.
Foi
feita uma análise investigativa do processo de trabalho para perceber de que
maneiras os alunos relacionam a produção musical ao período ditatorial. As
letras de música escolhidas variam de músicas da Jovem Guarda (para mostrar que
havia músicas alheias ao processo político que ocorria no país) e canções de
protesto (bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, entre outras).
Para Dias (2000), a pesquisa investigativa possui análise quantitativa ou qualitativa. Neste caso, "a pesquisa qualitativa caracteriza-se, principalmente, pela ausência de medidas numéricas e análises estatísticas, examinando aspectos mais profundos e subjetivos do tema em estudo" (DIAS, 2000, p.129). Por priorizar o uso da fonte como viável na construção do conhecimento histórico, a pesquisa se caracteriza como qualitativa.
Para Dias (2000), a pesquisa investigativa possui análise quantitativa ou qualitativa. Neste caso, "a pesquisa qualitativa caracteriza-se, principalmente, pela ausência de medidas numéricas e análises estatísticas, examinando aspectos mais profundos e subjetivos do tema em estudo" (DIAS, 2000, p.129). Por priorizar o uso da fonte como viável na construção do conhecimento histórico, a pesquisa se caracteriza como qualitativa.
Esta
pesquisa teve por hipótese que, a partir do contato com fontes musicais da
ditadura militar, os alunos podem construir um conhecimento pautado na
diversidade de opiniões defendidas por sujeitos diferentes, ainda que em tempos
de repressão. As letras ajudam a mostrar um processo histórico complexo, que
não girava, exclusivamente, em torno da crítica ou defesa do regime. Havia um
universo musical de intenções, práticas e gostos musicais que canalizavam
ou não para o regime militar vigente.
A
construção do conhecimento histórico pode se dar através da música ou qualquer
outra fonte, mas é preciso que o estudante tenha autonomia para pesquisar,
criar, argumentar e refletir sobre o processo histórico do qual a fonte parte.
Dessa maneira, é fundamental pensar na formação da consciência histórica
enquanto um processo articulado de saberes que, ao longo do tempo, são
aprimorados pelos estudantes.
Referências
ABUD,
Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de
história. Caderno Cedes, Campinas,
v. 25, n. 67, p. 309-317, 2005.
DIAS,
Cláudia Augusto. Grupo focal: técnica de coleta de dados em pesquisas
qualitativas. Informação &
Sociedade: Estudos, v. 10, n. 2, 2000.
FICO,
Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História, v. 24,
n. 47, p. 29-60, 2004.
NAPOLITANO,
M. Música & história: história
cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
Caro Luis,
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. O que você pensa do uso do rock como fonte histórica em sala de aula? Ele ainda não está sendo pouco aproveitado?
saudações,
André Bueno
Prezado Luis.
ResponderExcluirO rock é um tema importante para a história cultural brasileira, pois ajuda na reflexão sobre o comportamento da sociedade. Em tempos de ditadura pode funcionar como possibilidade de crítica, mesmo que velada. O que pensa sobre o rock brasileiro do final da ditadura e do início da redemocratização como temática para uso em sala de aula?
Olá, prof. Luis.
ResponderExcluirVocê disse:
"As letras ajudam a mostrar um processo histórico complexo, que não girava, exclusivamente, em torno da crítica ou defesa do regime. Havia um universo musical de intenções, práticas e gostos musicais que canalizavam ou não para o regime militar vigente".
a partir do trecho, pergunto:
o rock, como fonte, pode ajudar a trazer à tona as criticas à ditadura e, ao mesmo tempo, ligações com propostas estrangeiras, não somente europeias ou estadunidenses, mas, também, asiáticas?
Penso nas letras do Raul Seixas, por exemplo. Você concordaria com este exemplo?
Carlos Corrêa.
Os anos 80 foram marcantes para o rock brasileiro, muitas bandas surgiram e suas músicas questionavam o governo e a situação da época. Você concorda que seria interessante resgatar isso e fazer um paralelo com nossa situação hoje? Noeli Zettel
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Luis,
ResponderExcluirQuando se fala em usar música em sala de aula na maioria das vezes o assunto é a Ditadura Militar. Obviamente que, temos produções riquíssimas devido a atuação da censura. Porém, de que maneira poderíamos passar em sala de aula a importância real das composições como agente social na juventude do período e no processo da redemocratização sofrida pelo país?
Grata
Tamires Nepomoceno Franco
Prezado Luis Alberto,
ResponderExcluirEm tempos que alguns clamam pelo retorno da ditadura sua pesquisa é de grande relevência social. Também chamou-me atenção a visão dos alunos enquanto sujeitos do processo. Partindo disto te pergunto, em sua opinião é possível ligar o estudo sobre ditadura militar com a compreensão do tempo presente? A análise de músicas do passado também se porta para a fomentar maior consciência crítica no presente?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa tarde, Luiz.
ResponderExcluirAlgo que me chama atenção ao seu texto é você mencionar sobre a produção da consciência histórica dos estudantes, algo que enquanto historiadora, considero extremamente relevante e necessário ao alunado. Assim, diante do seu relato de experiência com a turma do 2° ano do ensino médio, como você considera que o rock pode contribuir com a consciência histórica dos alunos?
Ana Luiza de Vasconcelos Marques.