Luis Barbato

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO: REFLEXÕES SOBRE O SEU PAPEL NO ENSINO

Luis Fernando Tosta Barbato



Apesar da carência de estudos acadêmicos dedicados a investigar o papel e a importância da Iniciação Científica - IC - no processo de ensino-aprendizagem no Brasil (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 177-179), há tempos a literatura dedicada ao tema reconhece a importância desse instrumento dentro das políticas educacionais.
Entre os benefícios alcançados pela prática da IC dentro do contexto educacional, mapeados pelos autores, destacam-se, entre outros fatores: a fuga da rotina e da estrutura curricular; a conquista da autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades; vantagens para as instituições, através da exposição de seus resultados; além de ser observado um melhor desempenho do aluno em sala de aula (FAVA-DE-MORAES; FAVA, 2000, p. 75-76).

Desta maneira, como nos trazem Luciana Massi e Salete Linhares Queiroz, a IC se torna um instrumento pedagógico essencial no processo de ensino-aprendizagem, pois quebra certas dicotomias há tempos sedimentadas no sistema educacional, que fundamentam o distanciamento entre teoria e prática, ensino e pesquisa, produção e reprodução do conhecimento, e graduação (e também o Ensino Médio) da pós-graduação (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 179).
Nesse sentido, de criar uma interface entre ensino e pesquisa, que fomente o aprendizado e o desenvolvimento de uma autonomia de pensamento nos alunos, o trecho a seguir, de Zulma Souza e Carlos Henrique Souza, nos ajuda a compreender melhor a importância da IC para o desenvolvimento educacional: "O saber científico, construído a partir da experimentação e da pesquisa, é uma estratégia de construção e desconstrução do conhecimento" (SOUZA; SOUZA; 2011, p.42)

Dessa maneira, podemos observar a IC como um instrumento capaz de integrar essas esferas até então distantes dentro do sistema educacional, uma vez que havia uma clara divisão entre os pares dentro desse mesmo sistema: havia os professores e havia os pesquisadores; havia a graduação (ou o Ensino Médio), como lugar de reprodução do conhecimento e a pós-graduação, como lugar de produção do conhecimento; havia a sala de aula, como lugar de ensino e teoria, e o laboratório, como lugar de pesquisa e prática.
Tais distanciamentos, que ocorrem na prática - apesar de irem contra o que prega a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem uma associação entre pesquisa e ensino -, acabam também por dificultar, ou retardar, que os objetivos da educação proposta pelo Estado sejam plenamente atingidos. Assim, dentro desse contexto, a IC se mostra como uma ferramenta cada vez mais necessária dentro de nosso sistema educacional.

Nesse sentido, podemos definir a IC como uma atividade na qual o aluno é iniciado à ciência, através de experiências vinculadas a um projeto de pesquisa, elaborado e desenvolvido sob a orientação de um docente. Segundo Massi e Queiroz, apesar de a IC ter se desenvolvido principalmente a partir da década de 1950, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa - o CNPq, atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico em Tecnológico -, em 1951. Foi na década de 1990, que a o programa passou a ser de fato valorizado dentro da política científica e educacional do país, o que refletiu no aumento significativo de bolsas de IC nesse período (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 175).

No entanto, as iniciativas de desenvolver a IC, até 2003, ficaram, de maneira geral, restritas às Universidades, pois os projetos que buscavam levar essa prática aos alunos do Ensino Médio eram muito pontuais, como o Programa de Vocação Científica (PROVOC) da Fiocruz, de 1986, ou Programa de Iniciação Científica (PIC Jr), da UFRJ, de 1995, entre alguns outros poucos programas similares no país.

Frente ao processo de valorização da importância da IC entre os pesquisadores da área, aos sucessos dessas iniciativas supracitadas, além dos resultados alcançados pelo próprio PIBIC do CNPq, destinado aos alunos de graduação, em 2003, o próprio conselho lança seu programa destinado a oferecer bolsas de iniciação científica aos alunos do Ensino Médio, o PIBIC-EM, que buscava introduzir a Iniciação Científica Júnior entre esses alunos, com o objetivo de atingir determinados resultados, como o próprio CNPq nos mostra:

Com foco na criação de uma cultura científica, o PIBIC-EM é dirigido aos estudantes do ensino médio e profissional com a finalidade de contribuir para a formação de cidadãos plenos, conscientes e participativos; de despertar vocação científica e de incentivar talentos potenciais, mediante sua participação em atividades de educação científica e/ou tecnológica, orientadas por pesquisador qualificado de instituições de ensino superior ou institutos/centros de pesquisas ou institutos tecnológicos (CNPQ, s/d).

O mesmo documento ainda traz como objetivo do PIBIC-EM:

Fortalecer o processo de disseminação das informações e conhecimentos científicos e tecnológicos básicos, bem como desenvolver as atitudes, habilidades e valores necessários à educação científica e tecnológica dos estudantes do ensino médio (CNPQ, s/d). Desta maneira, o CNPq passou a fomentar de maneira mais intensa e efetiva a prática da IC dentro das instituições escolares, em um sistema operacionalizado principalmente por Instituições de Ensino e Pesquisa (Universidades), Institutos de Pesquisa e Institutos Tecnológicos (CEFETs e IFs), de maneira a desenvolverem uma educação científica capaz de integrar os estudantes das escolas de nível médio, públicas do ensino regular, escolas militares, escolas técnicas, ou escolas privadas de aplicação (CNPQ, s/d). Se as políticas que buscavam integrar a IC ao Ensino Médio já vinham sendo objeto de fomento desde 2003, com a criação dos Institutos Federais - os IFETs -, em 2008, essa política ganhou uma importância ainda maior, uma vez que a lei nº 11.892/08, que instituiu 38 IFETs por todo o Brasil ressaltava a necessidade dessas instituições tornarem-se centros de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e na de ciências aplicadas, em particular, oferecendo principalmente capacitação técnica à comunidade e atualização docente (OTRANTO, 2010).

Vale ressaltar ainda que desde o Decreto n. 5.154/2004, que passa a admitir que a interação entre o ensino médio e a educação profissional possa se dar de forma integrada, o que resulta que formação básica e a formação profissional aconteçam numa mesma instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas únicas (RAMOS, 2011, p. 775), ajudou a dar um apoio ainda maior à proposta inicial que ensejou a criação dos IFETs, que buscava um ensino atrelado às necessidades de desenvolvimento locais, e à formação técnica e tecnológica, como a própria lei que os criou deixa claro:

Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta lei (BRASIL, 2008).

É nesse contexto que a questão da disciplina de História se torna objeto de análise, uma vez que adequá-la a uma proposta que tem seu foco voltado justamente para o ensino técnico e profissionalizante exige ações próprias, pois, aparentemente, produzir um conhecimento que de fato integre a História com as disciplinas técnicas dos cursos profissionalizantes, e que ainda garanta toda a formação cidadã que a própria disciplina se propõe, parece ser um desafio difícil de ser atingido.

E é nesse sentido que a IC se torna um objeto importante dentro do ensino de História voltado ao ensino integrado, pois permite práticas que contribuem para que aflorem importantes interfaces entre a História e as disciplinas técnicas, uma vez que, além de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento técnico, necessário ao desenvolvimento profissional dos alunos desse tipo de curso, atua também no sentido de fornecer uma formação política e cultural mais ampla, dentro dos pressupostos defendidos por Ronaldo Araujo e Gaudêncio Frigotto sobre o ensino integrado:

Assumimos o ensino integrado como proposta não apenas para o ensino profissional. O ensino integrado é um projeto que traz um conteúdo polí- tico-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos, principalmente (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p.63).

O que buscaremos aqui é trazer um brevíssimo relato de minhas experiências relacionadas à realização de projetos IC junto aos alunos do curso Técnico em Logística Integrado ao Ensino Médio, realizados no Instituto Federal do Triângulo Mineiro - IFTM -, campus Patos de Minas/MG, no ano de 2015, além dos resultados alcançados.

A proposta partiu primeiramente da necessidade de mapear os pontos nos quais a logística estabelecia uma interface com a História, e a partir de então, traçar planos para desenvolver pesquisas em história que fomentassem os conhecimentos técnicos de logística junto aos alunos. Por questões do espaço bastante exíguo neste capítulo, fica impossível descrever detalhadamente os projetos, mas ressalto que dentro dessa relação história-logística, orientei projetos que trabalharam questões como a liderança, recuperação de técnicas logísticas perdidas, e o estudo de autores clássicos, que descreviam processos logísticos em suas obras, e que não haviam sido objeto de estudos dentro desse parâmetro proposto. Todas essas pesquisas se utilizam da história como forma de aprofundar os conhecimentos já adquiridos em disciplinas técnicas do curso, tais como Empreendedorismo, Gestão de Cadeia de Suprimentos, Gestão de Estoques, entre outras.

Os resultados foram bastante profícuos, pois acabaram confirmando o que trouxemos no início deste capítulo, ao afirmar que a prática da IC traz uma série de benefícios aos alunos, tais como a conquista da autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades, e principalmente, a quebra de certos paradigmas, como aqueles que colocam o aluno como mero receptor do conhecimento. Em um projeto que integra História e Logística, o aluno, mesmo que orientado por um docente, assume uma postura bastante ativa, uma vez que muitas vezes tem certos domínios de conhecimento técnico que não são do escopo da formação do professor orientador.

A prática de IC em História, aplicada de forma integrada aos conhecimentos técnicos logísticos também permitiu a visualização de um melhor desempenho dos alunos envolvidos nas disciplinas técnicas, uma vez que para o desenvolvimento da pesquisa histórica, os alunos se depararam com a necessidade de aprofundarem seus conhecimentos em logística, o que resultou em ganhos profundos dentro dessa proposta de formação profissional que os cursos que integram o ensino médio ao ensino técnico oferecem.

Assim, através de nossas experiências, podemos concluir que a IC é um importante elemento para se estabelecer um ensino de História de fato integrado ao ensino técnico, pois permite levar aos alunos problemas de cunho interdisciplinar, que exigem a utilização tanto dos conhecimentos próprios da disciplina de história, quanto dos conhecimentos próprios das disciplinas técnicas, colaborando para que a proposta de formação completa do aluno, que integre crescimento profissional e político-pedagógico engajados, se concretize.

Referências

ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; FRIGOTTO, Gaudêncio. Práticas pedagógicas e ensino integrado. In. Revista Educação em Questão, Natal, v. 52, n. 38, maio/ago, 2015.
BRASIL. Lei  11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Disponível em:
CNPQ. PIBIC Ensino Médio. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio - PIBIC EM. Disponível em:
FAVA-DE-MORAES, Flavio; FAVA, Marcelo. A iniciação científica: muitas vantagens e poucos riscos. In. São Paulo em Perspectiva, 14(1), 2000.
MASSI, Luciana; QUEIROZ, Salete Linhares. Estudos sobre Iniciação Científica no Brasil: uma revisão. In. Cadernos de Pesquisa. v. 40, nº 39, jan./abr., 2010.
OTRANTO, Célia Regina. Criação e implantação dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia - IFETs. In. Revista RETTA, Ano I, nº1, jan-jun 2010.
RAMOS, Marise Nogueira. O currículo para o ensino médio em suas diferentes modalidades: concepções, propostas e problemas. In. Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, jul.-set. 2011.
SOUZA, Zulma Ferreira de; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Iniciação Científica: uma análise da sua prática no Ensino Médio e seus reflexos no Ensino Superior. In. Interscienceplace. ano 4, nº 17, abril/junho, 2011.


3 comentários:

  1. Luis Fernando, parabéns pelo trabalho. Eu como professor de História, eu trabalho com o ensino fundamental e médio, e o que eu observo quando peço para que realizem alguma pesquisa em História, é que os alunos ainda possuem muito a prática de cópia, quando fazem qualquer exercício em aula ou trabalho valendo nota. Você acha que se o ensino reforçar mais a metodologia de pesquisa da história, e regras de pesquisa, talvez nós conseguiríamos resolver parte desse problema de "copia e cola"? Você acha que a iniciação científica dos alunos no ensino médio, pode melhorar inclusive na qualidade do aluno pesquisador ao entrar no ensino superior?

    Obrigado,

    Fabiano Cabral de Lima.

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  2. Prezado Fabio, como está? Creio que essa iniciação à pesquisa como um todo é importantíssima para desenvolvermos esses projetos, no meu caso, que trabalho em IF, temos a disciplina Introdução à Metodologia do Trabalho Científico, que ajuda muito, e a questão da metodologia em história eu trabalho individualmente com cada orientando, mas o que você disse, de trabalhar um pouco junto às turmas talvez seja uma saída interessante. E com certeza esses trabalhos de IC junto ao Ensino Médio vão colaborar para a formação de futuros pesquisadores no Ensino Superior, pois já chegaram lá com uma base de como trabalhar a pesquisa. Muito obrigado pelas colocações, caso tenha mais alguma questão, por favor me contate.
    Luis Fernando Tosta Barbato

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    1. Obrigado, um excelente trabalho! É a falta que há dentro das instituições estaduais e municipais, pelo menos aqui no Rio.
      Eu vejo muitos profissionais com força e vontade de trabalhar a pesquisa nas áreas das ciencias humanas com colegios estaduais ou escolas municipais, porém, a carga horária e estrutura faz a gente diminuir isso dentro das instituições, e a pesquisa é praticamente feita de forma muito singela dentro da disciplina, em sala e aula, ou como "dever de casa". Faz falta grupos de pesquisa e horários fora de sala de aula.

      Abraços!

      Fabiano Cabral de Lima.

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