Munir Abboud e Vinicius Carlos

O CENÁRIO EDUCACIONAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES DURANTE O SÉCULO XX

Munir Abboud Pompeo Camargo
Vinicius Carlos da Silva



O desenvolvimento da modernidade prometera estabilidade perante as inseguranças humanas relacionadas ao mundo natural, tendo como referência a política e a ciência. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial e os desdobramentos deste evento histórico, o projeto racional passou a sofrer uma série de questionamentos, em especial no que tange a sua pretensa em responder a todos os anseios humanos.

Esse processo gerou a aquilo que é chamado de pós-modernidade, que, como afirma Chevitarese “configura-se como uma reação cultural, representa uma ampla perda de confiança no potencial universal do projeto iluminista” (CHEVITARESE, 2001, p.41). Dessa maneira, se os grandes discursos, ou metarrelatos, supostamente ruíram, e a sociedade pós-moderna passou a ser permeada por uma ciência que, a despeito de visar o acúmulo de conhecimentos como um bem à humanidade, passou a focar apenas na eficiência de seus estudos e práticas.

Os investimentos anteriormente destinados as universidades, voltados ao incentivo de pesquisas que pudessem realizar descobertas responsáveis por sanar enigmas da existência do homem, passaram a ser empreendidos em favor da produção. Para Marinho “Agora, o que é decisivo na circulação de um conhecimento não é a sua capacidade de retirar alguém da ignorância e sim sua potencialidade de melhorar a performance e o 18 desempenho de uma dada mão-de-obra para a melhoria do processo produtivo” (MARINHO, 2008, p.4).

O relativo processo passou também a encontrar insuficiências nos modelos clássicos explicativos da sociedade. Assim, se antes, em contraposição ao saber tradicional (discurso científico) se legitimava a partir de sua condição tanto especulativa (ou filosófica) quanto prática (ou emancipação política), que prometia a primeira, “a humanidade como herói da liberdade” (LYOTARD, 2011, p. 58-60) e, a segunda “que a universidade deve remeter seu material, a ciência, à ‘formação espiritual e moral da nação’”, responsável, de acordo com Lyotard, pela “formação de um sujeito plenamente legitimado do saber e da sociedade” e enxergava o discurso tradicional como “selvagem, primitivo, subdesenvolvido, alienado, feito de opiniões e costumes, de autoridade, de preconceitos, de ignorâncias, de ideologias” (Op. cit. 2011, p. 49), depois, como a já dita falência da modernidade, mudanças passam a ser empreendidas nas universidades, que passam a, não sendo mais embasadas por sua condição especulativa e prática, sofrer um processo de erosão, já que a ciência passa a ser vista como “um jogo de linguagem de [...] regras próprias” (Op. cit, 2011, p. 72).

Indo de encontro ao ideal iluminista, que postulava que através da ciência se desvendaria os mistérios que permeavam o cotidiano do homem, a sociedade pós-industrial, portanto, passou por um processo gradual de esvaziamento dos cofres dos centros de pesquisas universitários, em especial os públicos, em detrimento de investimentos em empresas ou centros de pesquisas privados, almejando obter maiores proventos. Outro fator importantíssimo que a falência da modernidade traria ao Ocidente seria a corrosão do caráter legitimador das ciências tradicionais.

Dessa forma, todo o discurso educacional foi posto em xeque no século XX, quebrando com uma construção histórica que se iniciou durante o século XVIII, onde iniciou-se o processo de formação das disciplinas dentro das instituições escolares, pautadas nas ideias iluministas. Acreditou-se nesse período que era necessário fornecer educação de forma ampliada para o desenvolvimento dos Estados e da eliminação daquilo que era chamado de “crenças irracionais” ou “incivilizadas”.  Assim, iniciou-se a formação da escola contemporânea, cujo objetivo é trabalhar o corpo detalhadamente, exercendo uma coerção sem folga, mantendo-o no mesmo nível da mecânica, docilizando os corpos (FOUCAULT, 1987, p.118).

Diferentemente de outros períodos da história, o controle social hoje não é mais ligado apenas aos elementos significativos do comportamento, mas sim à economia. Essa questão desenvolve-se devido à necessidade de ter-se corpos utilizáveis dentro da sociedade industrial nascente. É notório também a própria valorização da vida e a modificação nas formas de controle através da força. É criado um corpo de patrulhamento ostensivo (polícia) e as prisões passam da característica punitiva para carregar uma aparentemente corretiva.

A partir do século XVIII, desenvolveu-se no mundo ocidental um esquema de controle de comportamento, onde o adestramento dos corpos tornou-se o centro das operações, fazendo-os máquinas produtivas. Com a queda dos paradigmas da modernidade e o desenvolvimento da pós-modernidade, a própria ideia tradicional de educação passou a ser relativizada. Já no século XX, a dinâmica produtiva sofreu alterações consideráveis, com especial destaque para a forma de se pensar utilizada pelas empresas, encabeçado pelo setor de Recursos Humanos destas. Pode-se dividir em cinco fases a história da gestão de pessoas: em 1930 inicia-se a primeira fase, conhecida como contábil, cuja única função era a administração dos custos da organização empresarial. Quase correlatamente, entre 1930 e 1950, teve início a fase legal. Nela, as leis trabalhistas se aperfeiçoaram, alterando a relação entre patrão e empregado onde o R.H se tornou um mediador das partes. Após 1950 entra a fase tecnicista, fazendo com que o R.H. adentrasse ao nível gerencial. O setor responsabilizou-se pelo treinamento, recrutamento e seleção, cargos e salários, higiene e segurança, benefícios, entre outros. De 65 até 85 tem-se a fase sindicalista. O nome vem das diversas modificações nas relações de trabalho geradas pelos movimentos sindicais do período. O gerente de R.H., conforme aponta Soares, tem a função de “transformar os procedimentos burocráticos e operacionais em responsabilidades voltadas para os indivíduos e suas relações.” (SOARES, et al, 2008. p.4). A última fase, estratégica, tendo surgido após 1985, carrega a preocupação com o funcionário no longo prazo, assim o profissional de R.H. passa para uma importante colocação estratégica dentro da organização.

Tendo em vista as modificações sociais e tecnológicas da contemporaneidade, observa-se o surgimento de novas formas de concepção do papel do R.H. dentro de uma empresa. As sociedades de economia pós-industrial e de cultura pós-moderna carregam uma ligação muito forte com a questão da informação, tem-se uma queda nas fronteiras, tanto do conhecimento quanto as econômicas, alguns autores ainda defendem que ocorre um processo de falência do Estado moderno, o mesmo se restringindo a administração regional de seu território. Essas inúmeras modificações sociais fizeram com que as empresas tivessem que repensar todas as suas estratégias e rever diversos setores, a fim de se tornem-se mais competitivas.

As empresas começaram a dar maior foco ao ambiente informacional e a geração de conhecimento dentro da mesma.  O conhecimento se tornava assim um instrumento de mercado, cuja finalidade era o lucro e não mais a luz ou o acrescimento do indivíduo enquanto ser humano, ideais da educação de cunho iluminista. Essa organização pode ser compreendida através de três dimensões fundamentais: infraestrutura, pessoas e tecnologia, sendo estas compostas por diversas variáveis como estilo gerencial, visão holística, aprendizagem, criatividade, redes, entre outras, voltadas para a criação, captação, armazenamento, difusão e compartilhamento do conhecimento (SOARES, et al, 2008. p. 2).

O conhecimento gerado pela empresa deve, necessariamente, estar ligado a suas questões de produção e produtividade. O conhecimento deve estar ligado com as necessidades da empresa, fazendo com que a mesma carregue um diferencial competitivo. Com as modificações causadas pela tecnologia da informação e a imensa volatilidade das informações, as empresas necessitam a todo instante modificar-se para adaptarem-se ao uso dessas novas tecnologias, gerindo de forma eficiente o conhecimento, para que o mesmo chegue para os sujeitos de forma correta, no momento mais pertinente. Além da necessidade de controle da informação, as empresas descobriram que com o bem estar de seus colaboradores toda a cadeia produtiva é alavancada qualitativamente, refletindo em resultados quantitativos de produção e lucro. Essa melhoria nas condições de trabalho, necessidade de informação, domínio nato de tecnologia e relativa liberdade criativa do empregado faz com que as corporações cobrem de seu capital humano qualidades como criatividade e conhecimentos tecnológicos.

Dessa forma, é cada vez mais cobrado da escola – em sua função de criação de mão-de-obra – que faça com que o educando desenvolva as habilidades supracitadas vinculadas a competitividade do mercado e geração de capital, tornando o sistema escolar como um todo em um simples instrumento de possibilidade de ganhos financeiros. A solução talvez esteja na construção de uma nova visão educacional, onde a ciência – e consequentemente o sistema educacional – passe a se legitimar ao legitimar, sem pretensões ao universalismo e levando em conta as especificidades do meio social, educacional e regional no qual está inserido. Sem esta, continuaremos em busca de uma verdade tida como necessária à vida humana, pressuposto atualmente em decadência, abrindo espaço a todos os tipos de discursos, muitas vezes antagônicos e por vezes perigosos, como os atuais movimentos que apontam para a defesa da intervenção militar na sociedade e na escola, viés profundamente seletivo e acrítico as demandas atuais da nossa sociedade e educação, em especial no ensino de história.

Referências
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CHEVITARESE, Leandro Pinheiro. As ‘Razões’ da Pós-Modernidade. In: Marcus Reis Pinheiro; Noel Struchiner; Rosário Rossano Pecoraro. (Org). Analógos: Anais da I SAF-PUC. Rio de Janeiro: Booklink, 2001, p. 35-47.
Costa, Tatiana Ribeiro da. E-RH: O impacto da tecnologia para a gestão competitiva de recursos humanos. USP, ND. Disponível em:  <http://www.ead.fea.usp.br/Tcc/trabalhos/Artigo_Tatiana%20Costa.pdf>. Acesso em: jun.2015
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7 comentários:

  1. Bom dia, Munir e Vinicius.
    Gostei muito do texto de vocês. Traçaram um bom panorama das mudanças que marcam o inicio da pós-modernidade e a virada no campo do trabalho, a partir da ótica do RH. A partir destas transformações, proponho para vocês duas questões:
    1 - Como vocês percebem a mudança no Ensino na passagem da Currículo por objetivos para a Currículo por Competências, tal como a Espanha (1990) e o Brasil fizeram (1997)?
    2 - Neste novo paradigma Pós-moderno, qual seria o papel da História na educação escolar?

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    1. Prezado José Lucio,

      Ficamos felizes que tenha gostado do texto.
      respondendo as suas questões:
      1- Acredito que as modificações curriculares devem ser observadas com cautela, além da necessidade de um distanciamento, relativo ao tempo, em relação ao objeto, isso pq podemos não conseguir observar todo o processo de forma eficiente, as fontes podem enganar, além da própria questão de como está sendo o processo na prática, destaco aqui que nem sempre aquilo que é escrito é aplicado como imaginado. Em todo o caso, levo muito em consideração Pierre Bourdieu, penso na educação como forma de reprodução e de diferenciação, assim as próprias mudanças curriculares podem ocorrer para, primeiro democratizar o inevitável e segundo para criar uma barreira de diferenciação; exemplo claro é a França retirando, na década de 80, do currículo público o Latim e o Grego, lembrando que a Escola de Ciências Sociais, a Politécnica francesa, entre outras instituições universitárias exigem exames ou de Grego ou de Latim.

      2- Essa segunda questão é algo bastante abrangente. Como seguidor de Foucault penso muito nas questões relativas aos discursos e as esferas de poder. Nesse caso o papel depende do historiador que estiver em sala de aula, qual afinal o discurso que o mesmo reproduzirá. Mas pensando em questões curriculares, acredito que a História está vinculada à uma formação ética e de cidadania, no caso do nosso país é uma matéria que pode contribuir, caso bem estruturada, no processo de redemocratização que o mesmo passa.

      Abraços.
      Munir A. P. de Camargo.

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  2. Olá José, tudo bem?

    Quanto ao primeiro tópico, faço minhas as palavras do Munir. Quanto ao segundo nós já divergimos um pouco. Apesar da importância inconteste de Foucault, não podemos enxergar a disciplina de história como sendo apenas um discurso, afinal, partimos sempre de um caso concreto, de um evento histórico, de relatos históricos, de produtos de um período (fontes), etc. O perigo de nos atentarmos apenas para o discurso está em acabarmos invalidando a história e chegarmos ao ponto de pensar que tudo é discurso, assim, negando tudo, inclusive o Holocausto, por exemplo. Mas quem pode te responder melhor a esses questionamentos é Eric Hobsbawm no Sobre História, logo nas primeiras páginas.

    Abraços
    Vinicius Carlos da Silva

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  3. Caros Colegas!

    Qual a sua visão em relação a mencionada "queda nas fronteiras" e o controle do comportamento?
    Fabiana Regina da Silva

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  4. Prezado,

    A questão da "queda das fronteiras" está relacionado ao livro de jean-François lyotard chamado "a condição pós moderna" a questão está relacionada á falência dos Estados nacionais e ao comportamento das corporações transnacionais ao redor do globo, isso levou a reatriçao dos poderes dos Estados nacionais a uma esfera local. No que se refere á questão do controle do comportamento é algo relacionado às teorias de Foucault. Porém pode ser observado também na ótica de Norbert Elias em relação á vergonha.

    Espero ter respondido os questionamentos.
    Abraços.
    Munir.

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