Rogério Silva

PENSANDO AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA ALUNOS DO CEJA

Rogério Silva de Mesquita



Introdução

A presente proposta de pesquisa tem como intuito investigar a questão étnico-racial dentro do ambiente educacional, em particular nas aulas de história, procurando compreender a experiência histórica dos alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Alzira de Souza Campos-CEJA/Catalão-GO quanto a esta temática. Embora este trabalho não esteja concluído ele é de fundamental importância para pensar estas questões enunciadas.
Minha relação e meu interesse pelo campo da Educação surgiram desde a mais tenra idade, já nos tempos de estudante do primário. Quando criança, a docência já me impressionava pelo conhecimento que os professores mostravam e pela forma como percebiam o mundo. Desse modo, os discursos, o modo de ensinar e o fato de aprender "coisas" novas, todos os dias, pareciam algo deslumbrante.  Cada ano que passava mais certeza eu tinha sobre o que queria ser e estudar futuramente.

Com o término do ensino médio entrei na universidade para o Curso de História e durante um ano e meio o processo de formação foi complicado, pois eu não tinha o hábito de leitura, nem o ritmo exigido na graduação. Com o passar do tempo, através de muito esforço, dedicação e colaboração de várias pessoas, aumentei, consideravelmente, minhas leituras sobre os autores e a compreensão sobre as vertentes que compõem a formação em História.

No sexto período da graduação, tive minha primeira experiência como docente. Fui convidado para ministrar aula de Ciências no CEJA. Tive a oportunidade de aprender e conhecer novas culturas, tradições, hábitos, modos de vida, dentre outras, por meio das vivências com os alunos e a comunidade escolar dentro e fora do ambiente educacional.

Já a formação no Curso de Psicologia foi bem distinta, pois, não era um aluno iniciante e trazia um arcabouço teórico mais consolidado. Muitas situações não eram novas, como o ambiente universitário e o dia a dia de um curso de graduação. Na graduação em Psicologia pude perceber elementos diferentes no convívio dos alunos e professores que doravante estavam latentes, como por exemplo, o contato cotidiano no período de tempo integral. E isso gera inúmeros desafios, além disso, os autores e os temas específicos da área (que têm a subjetividade como objeto de estudo) olham para os indivíduos com mais atenção, não que a História seja indiferente a eles, mas a Psicologia interessa-se mais pelos sentidos de afetos, carinhos e problemas ligados à subjetividade humana. A partir dessas duas formações acadêmicas, alarguei meus modos de pensar e agir e, ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas e indagações, a exemplo: como lidamos como nossa herança escravagista? O Brasil é mesmo o país da "democracia racial"? Como o é vivenciado a partir deste escamoteamento do preconceito racial? O racismo no Brasil manifesta-se de forma diferente nos diversos contextos regionais? É possível perceber historicamente transformações nas manifestações de discriminação racial?

Essas são perguntas iniciais que trago como ponto de partida para minha pesquisa no mestrado em História. Enquanto, estudante universitário e professor, o interesse em investigar a questão dos processos educacionais, especialmente, aqueles referentes às relações étnico-raciais, pauta-se pelo cuidado idêntico ao amor incondicional pela Educação que vivenciei nos início da caminhada pelo saber. Um amor expresso na minha dedicação, no desejo de querer fazer o melhor para alunos, na preocupação e no cuidado cotidiano com a complexa tarefa de educar. Amor segundo o compromisso ético de ajudar a construir na escola, aquilo que ela se propõe: produzir conhecimentos junto com os alunos. Amor, conforme afirma Bauman (2004, p. 24): "vontade de cuidar e de preservar o objeto cuidado". Se afirmo que esse amor é incondicional sobre mim é porque ele me instiga a exercer a profissão de professor com todos os paradoxos que ela tem: sofrimento e prazer, cansaço e ânimo, vida e morte, acolhimento e repulsa, alegrias e tristezas dentre outras. Esse processo é cheio de frustrações, riscos, ansiedade, medos, desânimos, mas também, daquilo que Bauman chama de humildade, pois "sem humildade e coragem não há amor" (p. 22).

Portanto, o tema que pretendo refletir, inicialmente, será a questão étnico-racial, que apesar de tantos problemas enfrentados, sobretudo, o racismo fez despertar a experiência histórica destes sujeitos. É esse amor incondicional que me move a pensar esse tema.
Nossa proposta é desenvolver, a partir de uma experiência prática de pesquisa e intervenção pedagógica, um estudo sobre concepções históricas das relações étnico-raciais presentes nas experiências históricas dos alunos do CEJA. Com o intuito de compreender o significado do conhecimento histórico para os alunos do CEJA. Bem como, o lugar da questão racial no ensino de História e na vida dos alunos do CEJA, quando esta questão é pensada numa construção crítica e reflexiva. Concomitantemente, prende-se analisar as possibilidades e limites do uso da metodologia da unidade temática de investigação no Ensino de História voltado para jovens e adultos.

O ensino de história e as relações étnico raciais

O interesse pela temática surgiu em 2012 quando discuti o tema Apartheid na África do Sul em sala de aula do CEJA. Inicialmente, foi apresentado o filme INVICTUS que aborda a temática do racismo na África do Sul, durante o governo de Nelson Mandela. Em seguida, discutimos o filme dando destaque ao tema: o preconceito étnico racial. O envolvimento dos alunos com a discussão demonstrou que este é tema que afeta diretamente muitos seguimentos da sociedade brasileira, em particular a classe trabalhadora.

Neste sentido, acho importante o estudo desta temática, pois ao longo da história da humanidade vivemos e vivenciamos a questão do preconceito étnico racial e no Brasil não seria diferente sendo que a mesma ainda se encontra em plena discussão. As relações étnico raciais continuam gerando polêmicas e conflitos quando emergem nos debates, sejam eles dentro ou fora da instituição escolar.

Podemos afirmar que a questão da discriminação étnico-racial aparece desde os primórdios da sociedade brasileira, logicamente, de acordo com as peculiaridades de cada grupo social e do contexto, mas o importante é ressaltar que as questões sobre racismo gerou conflitos, atrocidades e extermínios fundamentados, ora por motivos de dominação territorial, ora por motivos religiosos. Todos baseados em fortes preconceitos raciais.

Assim, ao propormos uma pesquisa que busca compreender o lugar da questão racial no ensino de História e na vida dos alunos do CEJA, nos apoiamos nas discussões sobre consciência histórica propostas por Rüsen. Ou seja, acreditamos que os alunos, de 5 anos ou 60 anos de idade, têm um conjunto de ideias com relação a sua história no que diz respeito ao cotidiano quando chegam na escola, isto porque, os seus saberes históricos podem ser adquiridos em outras instâncias que não seja a escola, exemplo disso são os veículos de comunicação em massa, o meio familiar, a comunidade local, o cotidiano, dentre outros. Para Rüsen "(...) [os] processos de aprendizagem histórica podem ocorrer em diversos e complexos contextos da vida do ser humano" (RÜSEN, 2007, p. 91). Logo, a escola e os professores não podem descartar ou ignorar as ideias prévias dos alunos. Cabe, portanto, ao professor no processo de ensino detectar tais ideias do senso comum para contribuir numa mudança da qual as tornará melhor elaboradas, ou seja, estabelecer uma relação entre a história ensinada e a experiência histórica dos alunos. Segundo Schmidt:

(...) aprender é um processo dinâmico, no qual a pessoa que aprende muda porque algo é obtido, algo é adquirido, num insight, habilidade ou a mistura de ambos. No aprendizado histórico a "história" é obtida porque fatos objetivos, coisas que aconteceram no tempo, tornam-se uma questão de conhecimento consciente, ou seja, eles tornam-se subjetivos. Eles começam a fazer um papel na mente de uma pessoa, porque a aprendizagem de história é um processo de, conscientemente, localizar fatos entre dois polos, caracterizado como um movimento duplo, ou seja, primeiramente é a aquisição de experiência no decorrer do tempo (formulado de maneira abstrata: é o subjetivismo do objeto); em segundo lugar é a possibilidade do sujeito para analisar (ou seja, o objetivismo do sujeito). Isso não significa que essa aprendizagem seja empiricamente apresentada de uma forma fragmentada e seca (objetiva) e simplesmente reproduzida conscientemente - ou seja, simplesmente objetiva. Isso não significa também que a pessoa que está aprendendo seja simplesmente entregue ao que a história está ensinando a ele ou ela, mas que ocorre um movimento de autoconhecimento, o qual pode ser expresso por meio da narrativa histórica. (SCHMIDT, 2008, p. 82-83).

Assim, o aprendizado da história possibilita que os indivíduos deem significado às suas experiências, se localizem no tempo e interpretem ações e proponham transformações. Essa "coerência de orientação" surgirá quando os indivíduos realizarem a autocrítica e a autorreflexão, necessárias "... para perceber os limites que separam sua própria identidade da alteridade dos demais". (RUSEN, 2007, p. 109). Para Rüsen

As carências de orientação no tempo são transformadas em interesses precisos no conhecimento histórico na medida em que são interpretadas como necessidades de uma reflexão específica sobre o passado. Essa reflexão específica reveste o passado do caráter de "história." (RÜSEN, 2001, p. 31).

Sendo assim, não é apenas trazer o passado para o presente, mas sim perceber que o passado contribui para as questões do presente, através de uma autocritica, reflexão, nisto possibilita ter um passado com caráter histórico, quando colocamos este passado a falar, através de um interesse em conhecer o passado historicamente, questionando-o, perguntando-o daí surge a carência de orientação.

Considerações finais

Durante vários anos do tempo a história nos revela que a sociedade passa por alterações em todos os âmbitos, seja político, social, econômico ou cultural. Estas alterações também fazem com que a escola altere seu processo educativo com o objetivo de adequar-se às novas demandas sociais. Isso também é válido para a produção do conhecimento histórico.

Para tanto, nos dias atuais as pesquisas na área de Ensino de História vem crescendo e desenvolvendo novas teorias em todo o mundo. Dentre elas destacamos o trabalho desenvolvido por Jörn Rüsen em que o mesmo reaproxima a História acadêmica com a didática da História. Para tanto, a compreensão do ensino de história dentro do ambiente escolar, é essencial estabelecer um entendimento das ideias, consciência histórica, formação de identidade dos jovens acerca dos usos da história.

Torna-se pertinente salientar que os alunos já possuem uma experiência do passado, contudo é necessário aproximar está experiência com a compreensão da vida humana, logo os alunos só poderão agir e transformar seu presente a partir de uma interpretação do passado, lógico que não há outra forma de pensar consciência histórica, pois ela é o local em que o passado é levada a falar - e o passado só vem a falar quando questionado; e a questão que o faz falar origina-se da carência de orientação da vida prática atual diante das virulentas experiências do tempo. (RÜSEN, 2001, p. 63).

Para isso o professor tem que ser um questionador propor aos alunos um projeto educacional em que os mesmos tenham uma reflexão crítica, não só no que se refere ao conteúdo de história em si, mas a sua história de vida, de tal modo que eles percebam que fazem parte de um todo, sendo não só um reflexo deste todo, mas que eles podem interferir, mudar, questionar este todo em que vivem.

Neste âmbito o ensino aprendizado tende a ser capaz de problematizar as questões presentes no dia-a-dia, as quais implicam perguntar, questionar ou recusar o que é imposto ou visto como natural. Isso implica, também em descontruir ideias, discursos e práticas hegemônicas que formatam nossos modos de existência, seja dentro ou fora dos espaços escolares.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. 2004. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar.
RÜSEN, Jörn. 2001. Razão Histórica. Brasília: editora UnB.
_____. 2007. Reconstrução do Passado. Brasília: editora UnB.
_____. 2007a. História Viva. Brasília: editora UnB.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. S. 2008. Perspectiva da consciência histórica e da aprendizagem em narrativas de jovens brasileiros. Tempos históricos, V. 12 - 1º Semestre.


3 comentários:

  1. Rogério, para você, quais são as maiores dificuldades de se implantar de fato o ensino da história da África no Ensino Médio?

    Luis Fernando Tosta Barbato

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  2. Caro Rogério,
    vc entende que o processo de diálogo, acerca do racismo, é mais difícil entre os jovens ou entre adultos?
    obrigado,
    André Bueno

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  3. Olá, gostaria de saber se nessa sua experiência docente você se deparou com alun@s que 'negam' a sua ancestralidade ou cor em virtude do racismo? Ah, gostaria de saber se caso já leu o texto do Oracy Nogueira sobre o preconceito de marca e de origem? É bem bacana para pensar o preconceito e o racismo tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, pois o autor faz uma comparação entre estes dois espaços. Fica a dica, caso não conheça o texto e ainda tenha interesse sobre o tema. Abraços. :)

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