Nayara Moraes

POR UM ENSINO DE HISTÓRIA SONORO: MÚSICA E HISTÓRIA NOS PCN’S, NA SALA DE AULA, NA VIDA

Nayara Crístian Moraes



Tem-se como objetivo neste texto, acentuar a importância da música no ensino de história na sala de aula, tendo em vista que o ato educativo não é um ato banal ou formal, fechado, mas aberto, com vislumbres de mudança, e as canções fazem parte da nossa sociedade e representam diferentes pensamentos dos sujeitos que nela se inserem, fazendo com que o ensino musical se torne cada vez mais relevante em diferentes disciplinas, porque pode relacionar seus conteúdos com o mundo.

É pensando nisso que os PCNs evidenciam a importância da música na sala de aula, principalmente devido ao envolvimento dos alunos com as músicas que ouvem no seu cotidiano:

A música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época. Atualmente, o desenvolvimento tecnológico aplicado às comunicações vem modificando consideravelmente as referências musicais das sociedades pela possibilidade de uma escuta simultânea de toda produção mundial através de discos,fitas, rádio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema, publicidade, etc. Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir espaço para o aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de apreciação e produção (BRASIL, 1998, p. 53).

No Brasil, a lei que coloca a música na sala de aula como uma norma foi sancionada em 2008. Embora muitas vezes não tenhamos profissionais habilitados a colocar esta exigência educacional em prática, ou falte investimentos públicos suficientes para garantir que a música seja de fato colocada no ensino básico, pelo menos:


A Matriz Curricular de música, especificamente, surge em um momento crítico para a Educação Musical no Brasil, no qual a música torna-se disciplina obrigatória no Ensino Básico. Sancionada em agosto de 2008, a Lei 11.769, altera o artigo 26 da LDB/96 (BRASIL,1996), acrescentando o § 6º, que regulamenta o ensino de Arte no Ensino Básico no Brasil. Esta modificação estabelece que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo”. A obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, apesar de ser uma questão polêmica, traz novas possibilidades de propostas para o ensino de música nas escolas e reforça a necessidade da promoção de políticas de formação continuada dos professores licenciados nesta área (EMRICH p.2, 2012).

Contudo, temos uma conquista social e cultural na educação porque o ensino de música na escola foi ao menos reconhecido e sua importância na educação aparece nas matrizes curriculares, porque se entende que este elemento artístico da cultura deve fazer parte do aprendizado escolar. As injustiças do mundo, as mazelas sociais, a alegria de viver, a riqueza e a pobreza, a individualidade e a coletividade, sonhos e esperanças, podem ser expressos na música. Então é preciso entender que o ensino musical também é um ato educativo, tal como o da história. Para os PCN’s.

É necessário procurar e repensar caminhos que nos ajudem a desenvolver uma educação musical que considere o mundo contemporâneo em suas características e possibilidades culturais. Uma educação musical que parta do conhecimento e das experiências que o jovem traz de seu cotidiano, de seu meio sociocultural e que saiba contribuir para humanização de seus alunos [...] Valorizar as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região; bem como procurar a participação em eventos musicais de cultura popular, shows, concertos, festivais, apresentações musicais diversas, buscando enriquecer suas criações, interpretações musicais e momentos de apreciação musical (BRASIL, 1998, p. 79, p. 81).


Os conteúdos musicais dentro da matriz curricular nacional e para os PCN’s, segundo Ana Rita Oliari Emrich (2012, p.45), seguem três perspectivas:

1.Na perspectiva da expressão e comunicação em música, com ênfase na improvisação, composição e interpretação, na perspectiva da apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical:

Experimentação, improvisação e composição a partir de propostas da própria linguagem musical (sons, melodias, ritmos, estilo, formas); de propostas referentes a paisagens sonoras de distintos espaços geográficos (bairros, ruas, cidades), épocas históricas (estação de trem da época da “Maria Fumaça”, sonoridades das ruas); de propostas relativas à percepção visual, tátil; de propostas relativas a ideias e sentimentos próprios e ao meio sociocultural, como as festas populares (BRASIL, 1998, p. 82).

2.Na perspectiva da apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical:

Apreciação de músicas do próprio meio sociocultural, nacionais e internacionais, que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer dos tempos e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras Modalidades artísticas e com as demais áreas do conhecimento (ibidem, p.84).

3.Compreensão da Música como produto cultural e histórico os PCN (1998) propõem a:

Investigação da contribuição de compositores e intérpretes para a transformação histórica da música e para a cultura musical da época, correlações com outras áreas do conhecimento e contextualizações com aspectos histórico-geográficos, bem como conhecimento de suas vidas e importância de respectivas obras. (ibidem, p. 86).

Ocorre que para a matriz curricular nacional de 2008, o ensino musical está somente inserido na disciplina de educação artística. Por mais que a disciplina seja multifacetada e tenha uma característica multidisciplinar, ela talvez não consiga alcançar resultados esperados se a música também não estiver presente no ensino de outras disciplinas como a história. O que se propõe aqui é na verdade a ideia de que a música não está acorrentada na educação artística, mas sim em todo contexto educacional em que o indivíduo se insere. Afinal de contas a música está no nosso dia a dia, em todos os lugares pois:

O fazer musical é uma espécie de ação social com importantes conseqüências para outros tipos de ações sociais. ‘Música’ é não apenas reflexiva; ela é também generativa tanto como sistema cultural quanto como capacidade humana. O fazer musical e um senso de musicalidade das pessoas são resultado da interação interpessoal com ao menos três conjuntos de variáveis: sons ordenados simbolicamente, instituições sociais e uma seleção de capacidades cognitivas e sensório-motoras disponíveis do corpo humano” (BLACKING, 1992, p. 305 apud ARROYO, 2002 p. 102).

Neste sentido, a música é mais do que um mero aprendizado porque a vida está cheia de musicalidade. Ela se torna, portanto, um instrumento social, político, cultural, educacional e historicizador:

Vale observar que as dimensões sociais, cognitivas e psicomotoras estão integradas na experiência musical. A aprendizagem de música não implica apenas tornar-se tecnicamente competente, mas interiorizar representações sociais que lhes dão sentido, como cultura. As organizações sonoras não são neutras, mas investidas de rede de significados (ARROYO, 1999, p.178).

Levar a música para a sala de aula a fim de contribuir com a formação social dos alunos também direcionar melhor o ensino da história com uma metodologia que envolve percepção para além da escrita. Toda música tem um contexto cultural, formando um processo histórico que deve ser avaliado no âmbito regional, nacional e internacional. Letras de música tratam da escravidão, do preconceito, das etnias diferentes, das favelas, da ditadura militar, etc. Estudar processos histórico-sociais através da música só se torna repetitivo quando observamos o nosso objeto de pesquisa somente por um viés, tentando separar a musicologia, história, sociologia, letras.  O tema é multifacetado, repleto de saberes. Sem interdisciplinaridade seria impossível “pensar” a música, tal como se pretende aqui, pois é com a multidisciplinaridade que se enriquece as pesquisas voltadas para este tema, o que não impede um trabalho de cunho historiográfico, onde o historiador traz um recorte, uma problematização, uma metodologia, mas ao mesmo tempo dialoga com outros saberes: “Portanto, ainda que a História, como disciplina específica tenha muito a contribuir, o historiador deve, necessariamente, dialogar com outras disciplinas.” (NAPOLITANO, 2002, p. 75). Para José Carlos Reis:

A história tende a abandonar as suas pretensões cientificas e a tornar-se um ramo da estética. Ela se aproxima da arte: da literatura, da poesia, do cinema, da fotografia, da escultura, da música... Isso quer dizer que a forma da história não é exterior ao seu conteúdo e indiferente à sua época. O discurso histórico não é só uma exposição analítica, conceitual e quantificada de uma documentação objetivamente elaborada. A história se apropria e ressignifica diversas linguagens. A sua forma, a sua linguagem, é a sua mensagem (REIS, 2003, p. 60).

Junto à geografia podemos pensar a geopolítica, fazendo uma análise das músicas que falam do meio ambiente, discursando um novo mundo ou que criticam a modernidade. Paródias que falam dos conteúdos que objetivamos ensinar, músicas que podem ser representadas, mas também criadas, se conseguirmos colocar palavras adequadas em determinados ritmos.  Os alunos assistem filmes, vão ao cinema, querem usar fones de ouvidos até na sala de aula, jogam vídeo games... por que não utilizar as músicas do cotidiano nestes elementos midiáticos em favor do aprendizado? Tais sons podem ligar seus conhecimentos ao conteúdo, ao entendimento das narrativas da história, do discurso, da história cultural, dos poderes simbólicos, e por quê não, da importância das fontes e do fazer do historiador/professor/pesquisador.

Geralmente os licenciados em história pensam a didática sempre voltada para alunos já adolescentes ou adultos, mas há também a necessidade de contribuir com o aprendizado de história nas séries inicias, no alicerce do ensino. Historiadores podem contribuir com essa etapa, seja se envolvendo em projetos na área, ou desenvolvendo materiais paradidáticos na colaboração com os professores do ensino fundamental I.
        
Na educação infantil, as cantigas, por exemplo, ainda têm forte presença no ensino, mas infelizmente estas canções na maioria das vezes não são problematizadas. Qual a história de determinada cantiga? Que imaginário as envolve? Às vezes o contexto de uma canção pode levar crianças a instigarem seus conhecimentos, valorizar os significados das coisas e deixar de aprender algo sem saber porque está aprendendo. A musicalidade nas atividades pode inclusive desenvolver melhor a coordenação motora. Pode fazer o dia delas mais feliz, pode fazê-las esquecer de abusos, ou compreender melhor suas dificuldades de leitura, pode leva-las a compreender as representações do passado, a historicização do ontem e hoje. Não à toa o gago não fica gago quando canta. Não é à toa todos nós temos uma trilha sonora. Somos sociais e a música consegue se apropriar de nossas aspirações e realizações.

Com este pequeno texto consideramos que o ensino da música aliado ao ensino da história pode gerar um aprendizado diferenciado nos alunos, aproximando-os da realidade, do mundo e afastando-os da individualidade excessiva, do tédio de metodologias sempre repetitivas, e da ignorância da importância sonora na vida de cada um, tendo em vista que a todo o momento somos bombardeados por inúmeras informações através da música. Os sons ritmados significam mais do que ruídos, significam canções e poesia, histórias de vida e apreensões de vivências que podem ser compartilhadas na escola, na sala de aula, nas aulas de história.

Referências

ARROYO, Margarete. Mundos musicais locais e educação musical. Em pauta, v. 13, n. 20, p. 102, 2002. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/EmPauta/article/view/8533>. Acesso em: 10 fev. 2016.
______. Representações sociais sobre práticas de ensino e aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música. 1999. 406 f. Tese (Doutorado em Música) - IA/PPG-Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 1999.
BRASIL. Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF, 1996.
______. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília, DF: MEC-SEB, 1998.
EMRICH, Ana Rita Oliari. Ensino musical escolar na matriz curricular do Estado de Goiás: elaboração e aplicação de sequências didáticas na disciplina música. 2012. 154 f. Dissertação (Mestrado em Música na Contemporaneidade) – Escola de Música e Artes Cénicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. Disponível em: <http://mestrado.emac.ufg.br/uploads/270/original_ANA_RITA_OLIARI_EMRICH.pdf?1337706223%20>. Acesso em: 10 fev. 2016.
NAPOLITANO, Marcos.  História e Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.


3 comentários:

  1. Cara Nayara,
    achei o relato sobre as cantigas interessante. Como foi a aplicação em sala de aula? você poderia falar um pouco sobre?
    obrigado,
    André Bueno

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  2. Olá André Bueno. Em primeiro lugar, me desculpe por não lhe responder de imediato. Então, como pôde perceber postei aqui um texto bem básico tentando chamar a atenção para o uso benéfico da música e musicologia na sala de aula. Faço parte do PPGH da UFG, atuando na linha de História, Memória e Imaginários sociais. Atualmente trabalho com uma série de sonoridades goianas 1964-1985, mas na graduação pude "aplicar" um pouco da teoria do imaginário e memória do 3º ao 6 ano do ensino fundamental por ter sido professora substituta nessas séries na ocasião. Contei de onde vim porque acho que é essencial para entender de onde parto na escrita. A música sempre me chamou atenção, e toco alguns instrumentos desde nova, em conjunto há o gosto pela história. Aí já viu. O que me moveu nesse tempo de sala de aula a relacionar as cantigas e o imaginário, a memória e a história foram as próprias crianças. Elas cantam o tempo todo, ou os pais relatam que elas cantam. Cada cantiga marca um espaço escolar, um momento de aprendizado da criança, etc. Já daí se percebe que em todo o ambiente da escola há a sonoridade. Nas cartilhas, nos brinquedos, a música está em todo lado. Elas aprendem também o som que toca nas rádios e no som dos pais e trazem para a escola. As professoras com as quais eu trabalhava tinham dificuldade de ensinar história para as crianças menores de 11 anos, inclusive algumas achavam desnecessário, por pensar que a história de nada adiantaria no alicerce dos pequenos. Quando comecei a introduzir o conhecimento regional e historiográfico por meio das cantigas e do que as mesmas retratam todos adoraram. Na verdade foi bem simples. As crianças entendem muito bem o contexto das cantigas através do que indagamos a elas seja em forma de gestos, desenhos ou o próprio diálogo. Mas o mais importante é a audição e percepção das cantigas, chamando atenção para o som dos instrumentos ou cantarolando com elas, buscando o significado das palavras e aguçando a imaginação dos alunos. A ideia deles corre solta. As cantigas que trabalhei por exemplo, são baseadas no som de catira e histórias das artesãs e rendeiras, dentre outras... Enfim.. Isso é um pouco do que foi este prazer...espero que tenha lhe respondido

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  3. Para exemplificar: Com esses dois links podes saber sobre uma típica cantiga goiana:
    http://www.pirenopolis.tur.br/cultura/folclore/festa-do-divino/pastorinhas
    https://www.youtube.com/watch?v=ecVBmCUnRjQ

    Com esse documento sonoro e outras informações complementares que entrelaça essa cantiga, os professores podem usar a didática para ensinar o imaginário de representação cristã em Goiás, o ato de catequização em Pirenópolis, as representações cênicas, a memória entorno de todos esses símbolos e daí por diante. Obviamente, a didática aqui é muito importante, porque na minha opinião o mais difícil é passar o conhecimento aos alunos de forma que eles entendam. Então tocar a cantiga em um ambiente descontraído no primeiro momento é muito importante. O resto vem com paciência e inserção dos conceitos em atividades lúdicas sem que se canse os alunos, principalmente os mais pequenos que são mais fáceis de dispersar. No enredo dessa cantiga por exemplo, aproveitei para trazer à tona o trabalho de Ely Camargo, uma artista goiana que representa e interpreta muito bem o folclore goiano, e dedicou sua vida na pesquisa musicológica e performance em Goiás. Desenhos, passeios cantantes, brincadeiras de roda e atividades de colagens e cartazes, apresentações musicais, tudo faz parte desse ensejo que parece muito superficial, mas no final, quando você escuta eles cantando tais cantigas ao lavar as mãos, ou contando para o coleguinha de onde originou ou que instrumentos e sons ouviram, ou o que significa certas palavras da cultura...na linguagem deles...tudo faz sentido para quem ensinou. Nas series inicias a gente plana uma semente que nem sempre germina imediatamente, mas quase sempre dá fruto. Penso que na atualidade falta muito material didático de história para apoiar os professores das séries iniciais. Acabei escrevendo mais um pouquinho aqui... Nayara Moraes

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