Sara Schneider

RPG, OS PROCESSOS COGNITIVOS E A COMPLEXIDADE: METODOLOGIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Sara Schneider de Bittencourt
Alexandre Silva da Silva



Introdução

Desde os primórdios das atividades Humana, passando pelos filósofos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau, as reflexões promovidas tendo como base a compreensão do "ambiente", do Ator Social humano e das relações sistêmicas presente entre os mesmos se fazem constantes no processo ensino/aprendizagem. Tendo como elementos base de tal processo a percepção e a experimentação, pois a mesma propícia uma relação de compreensão sistêmica funcional valorada que pode ser utilizada na construção da práxis.  Pois como apresenta Morin:

As noções de práxis, trabalho, transformação, produção não são unicamente interdependentes na organização que as comporta:  transformam-se também umas nas outras e produzem-se mutuamente, visto que a práxis produz transformações, que produzem actuações, seres físicos, movimento. (Morin, 1997, p152)

Neste contexto o RPG apresenta-se como metodologia de abordagem pertinente na resolução da demanda ensino/aprendizagem, pois tem seu fundamentos baseados em linhas de interação relacionadas por uma narrativa de convergência, onde tal, ao mesmo tempo em que constrói o caminho a ser "trilhado" pelo jogador, constrói também suas ações, ocorrendo de maneira dialética e "vibrante". Pois cada um dos jogadores deve criar seu personagem, o qual dispõe de características especificas, complexas e interdependentes. O Jogo é composto também pela figura do Narrador/Mestre (Mediador) o qual desenvolve a função de mediar as relações dos jogadores no ambiente da narrativa, propiciando as informações estruturais ricas em detalhes para os mesmos. O que em 2008 é apresentado por Schmit, o qual evidencia a relevância que as interações do RPG, promove por:

Ser uma contação de histórias interativa, quantificada, episódica e participatória, com uma quantificação dos atributos, habilidades e características das personagens onde existem regras para determinar a resolução das interações espontâneas das personagens. Além disso a história é definida pelo resultado das ações das personagens e as personagens dos jogadores são as protagonistas. (SCHMIT, 2008, p, 48)

Dispondo de cinco classificações fundamentais, o Live-Action, aventuras solo, RPG eletrônico solo, Massive multiplayer online Role Playing Game, mais conhecido como MMORPG e o RPG de mesa, este jogo interativo pode adequar-se as mais variadas simulações. Dentre as quais o "RPG de mesa" será o sistema referenciado neste trabalho, objetivando a possível compreensão e interação do aluno com a História, mais especificamente o "período Medieval", onde o jogo desenvolve a função de uma "ferramenta" mediadora no processo de aprendizagem. Buscando propiciar ao discente uma possibilidade de compreender a história através de uma abordagem lúdica, completamente interativa, por meio de uma imersão o mais profunda possível   proveniente das práxis resolutivas das demandas que se apresentam no decorrer da narrativa (jogo), por assimilação. Pois como apresenta Piaget:

Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio entre assimilação e acomodação, enquanto a imitação prolonga última por si mesma, poder-se-á dizer, inversamente, que o jogo é essencialmente assimilar, ou assimilação predominando sobre a acomodação. (PIAGET, 1994, p, 115).

Estando estes processos presentes com características diferenciadas nas várias fases da vida do ator social, promovendo as mais variadas possibilidades de interação como apresenta Piaget:

Quando interrogamos crianças de diferentes idades sobre os principais fenômenos que as interessam espontaneamente, obtemos respostas bem diferentes segundo o nível dos sujeitos interrogados.  Nos pequenos, encontramos todas as espécies de concepções, cuja importância diminui consideravelmente com a idade:  as coisas são dotadas de vida e de intencionalidade, são capazes de movimentos próprios, e estes movimentos destinam-se, ao mesmo tempo, a assegurar a harmonia do mundo e servir ao homem. Nos grandes, não encontramos nada mais que representações da ordem da causalidade adulta, salvo alguns traços dos estágios anteriores. Entre os dois, de 8 a 11 anos mais ou menos, encontramos, pelo contrário, várias formas de explicações intermediárias entre o animismo artificialista dos menores e o mecanismo dos maiores; é o caso particular de um dinamismo bastante sistemático, do qual várias manifestações lembram a física de Aristóteles, e que prolonga a física da criança enquanto prepara as ligações mais racionais. (PIAGET, 1982, p, 173)

Sendo assim, se objetivamos um adulto reflexivo que disponha de múltiplas "ferramentas" que possibilitem a resolução de um numero de demandas cada vez mais complexas, devemos possibilitar que "respostas bem diferentes" não sejam substituídas por uma formatação sociocultural que perpetua simplesmente o Poder de elites minoritárias em uma relação de exploração da maioria em uma sistêmica não sustentável. Neste contexto, uma possibilidade para tal se apresenta na utilização de um dos mais conhecidos sistemas de jogo do RPG de mesa que é o Sistema D20. Sistema que tem como seu mais conhecido representante o Dungeons and Dragons (D&D) (Schick, 1991, p.19), lançado em 1974.

O D&D trabalha com uma composição básica de 6 modelos de poliedros, ou seja, figuras geométricas formadas por vértices, arestas e faces, são os dados de RPG, chama-se esse sistema de D20 (dado de 20 faces, sendo os mais utilizados os D4, D6, D8, D10, D12 e D20, o 'D' correspondendo a palavra 'dado' e o número correspondendo a quantia de faces que ele tem, sendo assim, por exemplo o D4 é um Dado de 4 faces).  Onde a utilização de um dado de 20 lados possibilita uma escala mais ampla numericamente, que quando relacionada aos demais dados, traduz um número de possibilidades elevadas que controlam as ações do jogador, com isso buscando uma representação cada vez mais próxima do "real".

É através do lance de dados, e tendo como quesito necessário as fichas de personagens que são montadas antes de qualquer partida, com características já pré-definidas pelos livros de regras, como os dois livros básicos usados para esse jogo, que são "O Livro do Jogador", onde encontra-se todas as regras de jogo e de criação de personagem, forma de jogar, materiais e roupas para utilizar e "O Livro do Mestre", que é utilizado pelo narrador da história, que será decidida  se determinada jogada irá ou não ser bem sucedida, ou seja, não dependendo apenas da intenção do jogador, mas também do "rolar de dados" e regras do jogo. Como é um jogo de mesa, além dos dados, consta-se também a ficha de cada personagem, incluindo formas físicas, conhecimentos, ofícios (o que ele faz de acordo com a época medieval, se é um ferreiro, um rei, um camponês, um guerreiro, etc), e sua história será montada por cada jogador individualmente e de acordo com sua posição na aventura. A relação de possibilidades que se apresenta constitui atividade que possibilita múltiplas interações do discente com "autonomia" de reflexão/ação, propiciando um número elevado de processos cognitivos por meio das interações com as demandas.

Outro aspecto essencial para o jogo de RPG é o narrador/mestre. É ele quem guia(media), ou seja, narra toda a história do jogo, desde o processo de ambientação de cada jogador, quanto toda a fantástica e detalhada descrição de cada cena ao longo da aventura, sendo assim, a responsabilidade de montar, estruturar e organizar o ambiente do RPG é desse indivíduo. Pode-se, portanto, confiar tal papel ao professor, no momento em que o jogo está a ser introduzido em ambiente educacional, e partindo do pressuposto de que é ele, o professor é o mediador do conhecimento, o qual busca partilhar com os dissentes de forma dialética, por meio de uma "Realidade Virtual". Todo esse universo pode utilizar como lugar de partida para a compreensão das mais variadas práxis, qualquer localização geoespacial e temporal.

A possibilidade de uma maior interação e compreensão da História através de tal processo lúdico pode fazer com que o indivíduo necessite de uma gama maior de leitura e entendimento de regras, além é claro de lhe ser essencial o estudo de inúmeros quesitos voltados a períodos específicos da História Humana, presente. Por exemplo, nas práxis medievais, não apenas para que a compressão do ambiente de jogo torne-se mais eficiente, como também para que cada personagem torne suas características únicas e impares a cada jogador. Percebe-se que ao trabalhar esses exercícios, muitas características acabam por tomarem "corpo" durante o processo, desde a leitura, a escrita, a pesquisa aprofundada e a extrema criatividade e imaginação, quanto as peculiares informações contidas em determinada estrutura de tempo, a compreensão mais complexa da sociedade da época até mesmo as formas de domínio e obediência, além de estratégias. Dessa forma propiciando inúmeras relações resolutivas para as demandas apresentadas, o que pode possibilitar o desenvolvimento da velocidade relativa para a resolução de demandas (raciocínio rápido) e até mesmo trabalhar com a compreensão de certas regras cotidianas de ética e moral, já que os jogadores estarão o tempo todo interagindo uns com os outros em situações diversas, mantendo assim um convívio social mais profundo. Pois o dissente, ao se sentir fazendo parte de tal ambiente, pode adquirir um processo reflexivo mais claro de tempo histórico que está inserido, de uma maneira que apenas as leituras "conservadoras e convencionais" das bibliografias propostas em sala de aula poderiam não suprir.

No Brasil o MEC tem incentivado a utilização do RPG no ensino em sala de aula para distintas situações, como incentivo à linguística, leitura, história e até mesmo geografia e química, pode-se encontrar no perfil do professor, no site do próprio MEC, alguns dos modelos de aula que tem surtido efeitos ao longo dos anos desde 2008. Ocorrem também no Brasil Simpósios de Educação e RPG, o primeiro deles foi em 2002 na cidade de São Paulo, com o título "I Simpósio de RPG & Educação - Palavra: Transformação e Conhecimento", realizada pela LUDUS CULTURALIS (Associação civil sem fins lucrativos/Organização não Governamental, fundada na cidade de São Paulo em julho de 2002, que tem como intenção promover qualidade educacional por meios lúdicos), com apoio de Devir Livraria (Também é a editora dos mais famosos livros de RPG, como todas as linhas de Dungeons and Dragons - D&D), da Terra média (É a loja oficial da Devir e é especializada na venda de RPGs, card games, jogos de tabuleiros e histórias em quadrinhos.), APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e SINPEEM (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), e o último evento organizado no Brasil, também sediado em São Paulo foi "IV Simpósio de RPG & Educação - RPG: educação, entretenimento ou violência?" em 2006. O Brasil é o país que está na vanguarda das discussões a respeito do uso do RPG atrelado à educação.

Desta forma compreendemos que, tem sido de vital importância estabelecer e retomar distintas formas educacionais de apropriação do saber, podendo ter na ludicidade um dos elementos chave para o processo de reflexão e de maior absorção cognitiva dos atores sociais, por meio das experimentações. Pois mesmo sendo como demonstrada uma metodologia que potencializa as capacidades cognitivas dos discentes, ainda hoje, mesmo com todo o contexto tecnológico contemporâneo de múltiplas interações, a implementação de metodologias não formais de ensino/aprendizagem, mais especificamente o RPG, mesmo dispondo de algumas colaborações como as apresentadas, ainda compreende um número razoavelmente pequeno de implementações.


Referências

MORIN, Edgar. O método 1. A natureza da Natureza. 3.ed. Trad. Maria Gabriela de Bragança. Portugal: Publicações Europa-América Ltda, 1997.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon L. 2. ed. São Paulo: Summus, 1994.
_____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982
SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: Alguns Apontamentos Teóricos. Londrina: 2008.

Referências Digitais:

10 comentários:

  1. Gostaria de parabenizar pelo trabalho, pois sou adepto do RPG a alguns anos e vejo que paulatinamente o mesmo tem contribuido para o processo de ensino/aprendizagem. Minha pergunta é de que forma podemos promover o uso do RPG em sala de aula para fortalecimento da identidade cultural e local dos alunos, tendo como cenário o meio social em que vivem?
    ASS: LEANDRO SOUSA DE OLIVEIRA

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    2. Boa tarde LEANDRO SOUSA DE OLIVEIRA, obrigado por sua colaboração e questionamento, compreendo que a "resposta"para sua demanda esteja presente na elaboração das quests, que tenham como processos resolutivos, tanto demandas, quanto elementos e personagens elaborados mais próximos da "realidade" do seu grupo, um (LIve). Caso precise de ajuda entre em contato, (xandy2ss@gmail.com).

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  2. Desde já parabenizo a autora pelo texto e pela temática. Em uma parte do artigo você escreveu: "Dentre as quais o "RPG de mesa" será o sistema referenciado neste trabalho, objetivando a possível compreensão e interação do aluno com a História, mais especificamente o "período Medieval", onde o jogo desenvolve a função de uma "ferramenta" mediadora no processo de aprendizagem". O RPG serve apenas para o ensino da Idade Média? Ou outros períodos da História podem ser ensinados a partir do jogo? E como trabalhar o RPG num sala de 40 alunos? Pois a maioria dos grupos de jogadores muitas vezes não passam de 10. O RPG como ferramenta de ensino seria aplicado em um projeto de extensão apenas para alunos interessados, ou pode ser usado na sala de aula?
    Ass: José Luciano de A. Dias Filho

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    1. Obrigado Luciano dias, por sua colaboração e questionamentos, para melhor compreensão vou tentar responder seus questionamentos fracionadamente, de acordo com minha percepção dos mesmos caso queiras acrescentar algo Sara fique a vontade.
      1- Período medieval neste contesto foi usado como referencia a plataforma AD&D que é "especifica" para o mesmo. Porem dependendo da plataforma que ser utilizada, sim qualquer recorte temporal pode ser narrado.
      2- Trabalhar com grandes grupos é uma demanda presente nas escolas, uma saída a meu ver se efetiva na criação de subconjuntos e assim nesse contexto trabalhar a interação e as relações complexas dentro das Histórias ,Quests, Narrativas e processos.
      3- Uma da maiores demandas apresenta-se no interesse dos dissentes e para essa não me julgo capacitado a responder, pois não conheço o grupo/projeto citado, suas realidades e contextos, mas compreendo que a exclusão de qualquer individuo seja uma desculpa do mediador que não percebe qualidades no mesmo.
      Muito obrigado pela colaboração.

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  3. Diana Jane Barbosa da Silva9 de março de 2016 às 21:34

    Muito interessante ver um texto com tema de jogos de RPG no ensino de História. Sempre quis trabalhar com RPG nas minhas futuras aulas. O d20 ainda acho complicado, não poderia ser em uma aula, talvez um tipo um trabalho extra curricular no contra turno, ou uma oficina pedagógica ao longo de um tempo. Minha professora de didática compartilhou recentemente com a minha turma, possibilidades de usar jogos e eu fiquei ansiosa pra poder colocar isso em prática, mas me veio essas questões, de como poderia ser. Talvez a própria criação de personagens baseada nas aulas, criação de um roteiro e regras por eles mesmos, mas de uma forma livre pra criação. Ainda é algo novo, que cada professor e aluno podem adaptar, mas não falta motivos para trabalhar com RPG, assim como foi apontado ao longo da comunicação. Obrigada pelo texto de vocês.

    Diana Jane Barbosa da Silva

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    1. Obrigado a você Diana Jane Barbosa da Silva, entendo ser de muita valia essa sua vontade de criar a possibilidade de autonomia cada vez maior, no entanto, cuidado com a narrativa, pois a mesma "determina" possibilidades de "conflitos" e estes te colocarem em uma situação desconfortável na escola e com os responsáveis. Assim sendo, tomando cuidado entendo que sim, pode ser aplicada em qualquer período de tempo (que comporte a narrativa e seu "sentido funcional"). Para maiores informações entre em contato (xandy2ss@gmail.com).

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  4. Muito interessante o texto. A perspectiva do RPG pode substituir antigas metodologias de ensino, propiciando uma aprendizagem mais significativa?
    Ass. Thiago Phelippe Abbeg

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    1. Thiago Phelippe Abbeg obrigado pela colaboração, só existe um equivoco. O RPG não busca como metodologia substituir e sim incorporar-se as já existentes para com isso promover o sentido no processo educativo formal.

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  5. Agradecemos aos organizadores do evento pela oportunidade.

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